8 de dezembro de 2006

Parabéns pra você, Fogão, pelos seus aniversários!

Hoje, 8 de dezembro, é dia do aniversário do Botafogo. Melhor, dia de um dos aniversários do Botafogo. No caso, do Botafogo de Futebol e Regatas, fundado em 1942, resultado da fusão do Botafogo, um clube de regatas, com o Botafogo, um clube de futebol. Parece engraçado, mas temos três aniversários, três datas para comemorarmos, três dias para envelhecermos. Em 2004 comemoramos nosso primeiro centenário, certo? Errado. Há dois anos comemoramos nosso segundo centenário. Nosso primeiro centenário foi comemorado em 1994 - tenho um selo dos Correios que prova a efeméride.
Explico: em 1894 foi criado o Club de Regatas Botafogo; em 1904, o Botafogo Football Club e, em 1942, em 8 de dezembro, o Botafogo de Futebol e Regatas, resultado da fusão dos outros dois. Uma fusão apressada por uma tragédia: a morte de um jogador num jogo de basquete entre as duas equipes. Um clube era de regatas; o outro, de futebol, mas se fundiram em conseqüência de um jogo de basquete: nada é simples, eu disse! O nome do jogador era Armando Albano, atleta do Football. Ele morreu na quadra, e desta morte nasceu o Botafogo de Futebol e Regatas. Nascemos, portanto, de uma tragédia, como se nossa mãe tivesse morrido no parto. Podem chorar, a história é triste e bonita pacas.
Enfim: daqui a 36 anos estaremos comemorando nosso terceiro centenário, isto, com 148 anos de história. Envelhecer 300 anos em 148 não é para qualquer um, chega a ser assustador. Parece história do Malba Tahan, aquele homem que calculava. Pra quem acredita: somos regidos por três signos: Câncer (1o. de julho, Regatas); Leão (12 de agosto, Football) e Sagitário (8 de dezembro, BFR). Três signos, repito. Fora os ascendentes e fora a Estrela, a solitária. Depois disso tudo, vocês acham que é simples torcer pelo Botafogo?

12 de setembro de 2006

Nós, os alemão

Preocupados que estamos com a violência que se expressa nas armas de fogo empunhadas pelos nossos, digamos, inimigos de classe - os bandidos que nos assaltam e ameaçam nossas vidas -, nos esquecemos de outro adversário, aquele que cultivamos em nossas casas, em nossas famílias, em nós mesmos. Somos, de um modo geral, na prática, defensores de uma cultura da morte, do desrespeito. Vivemos em uma sociedade que volta e meia protesta contra radares de controle de velocidade, que elege irresponsáveis que se candidatam vociferando contra uma suposta indústria das multas. Chegamos ao cúmulo de instituir nos túneis e auto-estradas, avisos que alertam que é hora de diminuir a velocidade porque estamos a nos aproximar do radar. Pois, como diriam aqueles nossos antepassados europeus (que devem rir muito dessa nossa prática).
Temos uma legislação que nos desobriga da submissão ao bafômetro; nos orgulhamos de poder dar aos nossos filhos carros cada vez mais potentes e, se possível, blindados – assim escaparão dos bandidos. Fingimos não ver que esses filhos, aos 15/16 anos, freqüentam lugares proibidos para menores de idade, locais onde quase todos consumirão bebidas alcóolicas - o dono da boate é um dos nossos, um cara legal. Mais ainda: nas festas de adolescentes é comum que seus pais patrocinem a distribuição das tais bebidas. Alguém aí já viu um garçom recusar bebida a um adolescente em uma dessas festas de debutantes?
Depois de uma tragédia como a da Lagoa, que machuca a todos, é fundamental respeitar a dor de quem perdeu seus filhos assim como é necessário tentar evitar outros acidentes como aquele. Falamos todos na importância de dar limites aos jovens, esses adoráveis rebeldes. Mas quem é que vai dar limites aos pais, a cada um de nós? Quem vai limitar o sujeito que pára o carro na calçada, que, no Rebouças, pisa no freio metros antes do radar, que sabe de cor todos os pontos em que há pardais na Linha Vermelha? Quem vai dizer para um pai de família que ele não deve ir de carro para o bar ou para o restaurante locais onde possivelmente irá encher a cara? Quem é que vai dar voz de prisão para o dono da boate que permite a entrada de menores e que a eles vende bebida alcóolica?
Alguns outros países já responderam a essas perguntas. O Estado cumpre as desagradáveis tarefas listadas aí em cima. É ele que adverte, multa, pune e prende. E não faz isso porque é chato, mau, desagradável, estraga-prazeres. Faz isso em nome da sociedade que o criou e o sustenta. Uma sociedade consciente da necessidade de um ente que, que forma impessoal, a preserve e a proteja. Proteja-a, às vezes, de si própria. Muitas vezes precisamos de quem nos proteja de nossos excessos e evite que prejudiquemos outras pessoas. Nem sempre somos tão corretos, tão racionais. Nem sempre fazemos o que escrevemos.
Por alguma razão que o Roberto Da Matta poderá tentar explicar, desenvolvemos uma relação curiosa com o Estado que, a todo dia, sustentamos com nossos impostos. Algo como: adverta, puna e prenda – os outros. Não admitimos ser fiscalizados, alertados, multados. “Vá prender bandidos!”- que guarda de trânsito já não ouviu esta frase? Aquele que não a ouviu deve ter recebido uma pergunta. Algo como: “Não dá pra resolvermos isso de outra forma?” O engraçado é que tendemos a classificar de corrupto apenas o policial que se vende, não o motorista que o compra. Como em outras relações, há aqui a figura do ativo e do passivo, ambos cúmplices, elementos essenciais para a realização de um determinado ato. Um depende do outro.
Angustiados com o inimigo externo, nos esquecemos do quanto somos cúmplices e promotores de um outro tipo de violência. Uma violência que, em determinados universos, deve matar e ferir muito mais do que aquela outra, banalizada pelos tiros de armas alheias. Ao longo de alguns séculos construímos uma sociedade violenta, excludente, e só sabemos culpar os feios, sujos e malvados, como no filme de Ettore Scola. Nos acostumamos tanto a desrespeitar o outro que acabamos criando condições ideais para o auto-extermínio. Ninguém - nem o Estado, nem a família - pode nos limitar, nos multar, nos punir. Fomos tão radicais na busca dessa impunidade que hoje não sabemos mais sequer proteger nossos filhos. Conquistamos o direito de nos matarmos e de dormirmos assustados com o ruído de cada freada que invade nossas noites.

3 de setembro de 2006

A grande cena

É uma daquelas cenas que valem o ingresso. Aquele raro momento em que o implícito vale mais que o explícito, que o escancarado. Lembra uma outra, igualmente delicada, de "Eles não usam black-tie" - em um determinado momento da crise gerada pelo movimento grevista, os personagens de Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro catam feijões na cozinha. Não há discurso, não há - ou quase não há - diálogos. Há apenas perplexidade, dúvida, angústia. Há, enfim, cinema, muito cinema. O melhor cinema daquele filme de Leon Hirzman. A cena de agora é de "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende. Um bom e mesmo emocionante thriller, prejudicado, aqui e ali, por cenas em que há pouco cinema e um excesso de verborragia. Mas, enfim, a cena: logo depois do assassinato de seu filho, Zuzu Angel, incorporada por Patrícia Pillar, sobe uma ladeira em busca do pai de Carlos Lamarca, o líder guerrilheiro cujo endereço Stuart Angel se negara a revelar sob tortura. Recusa que lhe valera uma dose-extra de torturas e que lhe causaria a morte. Zuzu entra numa sapataria e encontra um velho - Nélson Dantas, brilhante - a trabalhar. Zuzu fala e fala: fala que seu filho morrera para proteger o filho daquele homem ali. Em nenhum momento cita o nome de Lamarca, o oficial do Exército que desertara para aderir à luta armada. O velho parece impassível, ouve o discurso daquela mulher enquanto continua a trabalhar. Trabalho que envolve alojar alguns pregos entre os lábios - uma técnica dos sapateiros para facilitar o seu ofício. Mãos e boca ocupadas, o velho ouve a cantilena daquela mulher. Parece não ouvir o que ela diz; melhor, parece ouvir mas não entender bem o que ela fala, parece ter uma certa postura olímpica, distante. Algo como quem é essa louca que vem me falar em filho quando eu também, de certa forma, perdi o meu, eu que nem sei onde ele está, ele que é um dos homens mais caçados do país? Dantas olha para a mulher, para o pé de sapato que conserta; martela o sapato, coloca e tira pregos nos lábios. Até que algo rouba a atenção daquela mulher. Ela que, até então, limitava-se a despejar seu rancor sobre o velho, percebe enfim o quanto de dor - calada, sufocada - havia naquele homem mudo. De seus lábios saía um filete de sangue, sangue que brotava de uma ferida causada pela pressão exercida pelos lábios sobre aqueles pregos. Cada palavra de Zuzu fora como uma martelada na alma, na boca do pai de Lamarca; pancadas cuja força enfim se revelava naquele filete de sangue. Uma dor que revela uma outra forma de tortura, uma dor cruel, sem sentido, que desnuda a impotência de quem a causa e de quem a sente. Uma dor bumerangue, pregos que agora atingem quem, até há pouco, despejava tantas e tantas dores. Uma dor não-óbvia, difícil de detectar e, principalmente, mostrar. Uma dor que só um grande filme - ou um grande livro, ou um grande quadro - pode revelar. "Zuzu Angel" não chega a ser um grande filme, mas abriga uma grande cena, digna do melhor cinema, de dois grandes atores, de sensíveis roteiristas e diretor. A cena que nos faz cúmplices daquelas tantas dores, dores que passam a doer também em todos nós.

21 de agosto de 2006

Heil Riverside!

"Lugar de brasileiro é na favela", "Escória", "Fora latinos". As frases foram exibidas ontem por cidadãos norte-americanos durante um protesto em Riverside, uma cidadezinha de 8.500 habitantes que fica a 170 km de Nova York. Lá, informa a "Folha" de hoje, desde 26 de julho é crime dar emprego a imigrantes ilegais - só de brasileiros, havia uns 2 mil por lá. As ofensas doem, nos machucam. Não estávamos acostumados a esse tipo de tratamento - também não estávamos acostumados a exportar gente, antigamente éramos importadores de mão-de-obra, destino de muitos sonhos. Hoje exportamos jogadores de futebol, putas, travestis, doutores e trabalhadores braçais - o paraíso fica longe daqui.
Deixando um pouco de lado nossas mazelas, não deixa de ser chocante como a humanidade não aprende, como a idiotice nos fascina. Milicianos de Riverside - a boa e pacata gente de Riverside, alguma rádio local deve falar isso -, catam brazucas nas ruas, armados de espingardas e bastões de beisebol. Lembra um pouco a porradaria contra os negros, há alguns anos, lá mesmo nos EUA, não? Lembra também - por que não? - a perseguição a judeus, homossexuais, ciganos durante o nazismo. Talvez no lugar da estrela amarela e do triângulo rosa nossos patrícios tenham que andar com um distintivo em forma de tamborim nas ruas destas cidadezinhas dos Estados Unidos.

15 de agosto de 2006

Criminalidade

O presidente Lula daria uma boa demonstração de combate ao crime se escolhesse melhor com quem sai nas fotos. Essa que saiu na capa do Globo de hoje, meu Deus. O Márcio Thomaz Bastos tá com cara de quem quer gritar "Teje preso" para um de seus companheiros de mesa. Grita, ministro, grita.

11 de agosto de 2006

Ato falho

Gol anulado

João Bosco/Aldir Blanc


Quando você gritou mengo
no segundo gol do Zico
tirei sem pensar o cinto
e bati até cansar.
Três anos vivendo juntos
e eu sempre disse contente:
minha preta é uma rainha
porque não teme o batente,
se garante na cozinha
e ainda é Vasco doente.
Daquele gol até hoje
o meu rádio está desligado
como se irradiasse
o silêncio do amor terminado.
Eu aprendi que a alegria
de quem está apaixonado
é como a falsa euforia
de um gol anulado.

Resumo

Luiz Inácio admitiu:

1. seu governo combateu a ética;

2. os salários caíram;

3. o, como diria o Ivan Lessa, Bananão é grande pacas.

(Contava-se, antigamente, uma piada sobre o Costa e Silva, aquele do AI-5 e que tinha fama de ser pouco astuto. Certa vez ele estava num avião, sobrevoando o território nacional. Alguém então disse: "Presidente, estamos a nove mil metros de altura". Impressionado, o general comentou: "Sabia que o Brasil era grande, mas não sabia que era tão alto".)

7 de agosto de 2006

Sempre free

Free shop na entrada é coisa nossa. Quase exclusivamente nossa. De um modo geral, as lojas duty free ficam na saída de um país, na hora em que o sujeito vai embora. Mas, enfim, somos originais e benevolentes na hora de dar vantagens a quem já tem vantagens. Quem, por alguma razão, consegue viajar para o exterior, merece um carinho extra, o direito de comprar produtos essenciais como bebidas e comésticos sem pagar impostos. Além dos 500 dólares em compras que pode trazer do exterior, o viajante pode gastar outros 500 ao chegar. O privilégio justificado: dizia-se que era uma maneira de segurar por aqui os dólares que iriam para o exterior. Depois, os caras passaram a aceitar cartões de crédito, dólares apenas virtuais. Agora o real passará a ser aceito e ninguém deu desculpa nenhuma. No fundo, a desculpa é a de sempre: manter o privilégio de quem sempre foi privilegiado. Free, sempre free.

25 de julho de 2006

Dunga

Ainda a seleção. Todos os comentários a respeito da convocação de Dunga para o comando da seleção falam em cobrança de raça, de espírito de luta, de garra. Ninguém fala muito em futebol, em estilo de jogo, em esquema tático. Fica a pergunta: se é pra isso, por que não chamar para técnico o, digamos, comandante do Bope?

1 de julho de 2006

Zidane

Os deuses são justos. Zinedine Zidane, que não posa de foca amestrada em comercial de banco, que não faz malabarismo pra cinegrafista, que joga o bom jogo, fez barba, cabelo, bigode; Zidane nos depilou, nos aplicou uma brazilian wax. Parabéns, Zidane.

Antiguidade é posto

Posto que nos ferramos. Né, Cafu? Né, Roberto Carlos?

30 de junho de 2006

Los Hermanos

Até que tentei torcer contra a Alemanha - o que implicava em torcer pela Argentina. Achava, e acho, que seria mais fácil derrotar os vizinhos numa eventual final. Até que, no segundo tempo, o ótimo Maxi Rodríguez resolveu mostrar a força da vocação argentina: simulou uma falta, se jogou no gramado, tudo para ganhar tempo e tentar impedir uma reação alemã. A velha e irritante catimba argentina. Os caras não se convencem que têm futebol suficiente para ganhar sem apelar para esse recurso. Bem-feito, tomaram um gol, perderam nos pênaltis. Comemorei cada gol alemão.

29 de junho de 2006

A perfeição é amarela

Caros jogadores da seleção brasileira. Acho que a essa hora vocês devem estar se perguntando algo como “caramba, quatro jogos, quatro vitórias, recordes coletivos e pessoais batidos, e os caras ainda reclamam?” Pois é, nós ainda reclamamos – eu mesmo tenho xingado alguns de vocês. Creio não ser o caso de pedir desculpas pelo destempero, pelo excesso de exigência: jogar bem, dar espetáculo, não falhar, e, claro, ganhar sempre e conquistar o hexa. Talvez seja melhor tentar entender o que nos faz assim.
Com nossos clubes de coração não somos tão exigentes. De alguma forma aprendemos a absorver algumas das características de nossos times, a considerar como nossas qualidades e, vá lá, alguns defeitos dessa nossa paixão primordial, a única que não pode ser trocada, que admite todo o tipo de desfeita e traição – o amor por um clube é eterno e sempre dura. Como escreveu Paulo Mendes Campos: “Nos meus torneios, quando mais preciso manter os números do placar, bobeio num lance, faço gol contra, comprometo, tal qual o Botafogo, uma difícil campanha”. É ele também que diz: “O Botafogo, às vezes, se maltrata, como eu; o Botafogo é meio boêmio, como eu;(...) o Botafogo é mais surpreendente do que conseqüente, como eu (...)”.
Há quase dez anos a jornalista Cláudia Mattos lançou “Cem anos de paixão”, livro em que tenta rastrear o que há por trás das relações entre os quatro principais times cariocas e suas torcidas. Acabou fazendo um livro sobre o Rio, tamanha a identificação entre a cidade, seus clubes e seus apaixonados torcedores. De alguma forma, todos somos ou achamos que somos parecidos com nossos clubes, para o bem e para o mal.
Mas com a seleção é diferente. Com a seleção, nossa relação é outra. Com os clubes, somos o que somos, com a seleção, somos aquilo que desejamos ser: bonitos, elegantes, eficentes, eternamente vencedores. O time é como um amor cotidiano, apaixonado, mas com cara de dia-a-dia. Daqueles que admitem uma ausência, uma falha, uma camisa meio desbotada, uma barriguinha, uma celulite, uma noite de amor assim-assim. De vez quando, um dia dos namorados, um aniversário, rola um jogo especial, um jantar com vinho, uma viagem, uma decisão de campeonato (gloriosa, mesmo que contra o Madureira). Seleção é diferente. Seleção, ainda mais em Copa do Mundo, é sempre dia de festa, de roupas novas, Copacabana Palace, corpo malhado, performances impecáveis em noites cheias de gols de placa.
No clube, erguemos as mãos aos céus para agradecer o amor que sabemos merecer – ainda que o goleiro seja meio frangueiro; a zaga, inconfiável; o meio-campo, pouco criativo; o ataque, sonolento. No Maracanã de cada dia, admitimos o gol de canela, o chutão, não nos envergonhamos do erro do juiz que nos ajuda. Sabemos que seria impossível cobrar perfeição de nossos times, de nós mesmos. Perfeição não é para todo dia, só acontece de vez em quando; para ser exato, de quatro em quatro anos. É quando temos chance de reafirmar que somos os melhores. Na seleção não cabe todo mundo, não é para qualquer um: nenhum jogador do Rio foi convocado mas torcida alguma reclamou, sabemos das nossas limitações. Nesse nosso olimpo canarinho, os deuses têm que ser perfeitos. Na seleção, fazemos restrição a gol de bico – mesmo que ele seja salvador, como o do Ronaldo, na Copa passada, contra a Turquia. Na seleção não se pode dar cotovelada, Leonardo; não se perde pênalti, Zico. A condenação à falha pode ser perpétua, como a que experimentou Barbosa.
Então, meus caros, entendam que não é bem de vocês que estamos cobrando tanto. Estamos cobrando de nós mesmos, uma cobrança cruel, absurda, irracional, que nos levaria ao suicídio coletivo caso exigida no cotidiano. Por favor, compreendam: vocês, queiram ou não queiram, são o que temos e somos de melhor. E não fica bem, Ronaldo, aparecer em público com aquela barriga; não dá, Roberto Carlos, para mandar a bola para a arquibanca; é ridículo errar o drible e simular pênalti, Adriano; Ronaldinho, você tem que ser genial sempre; Cafu, não é admissível envelhecer. É desumano pedir tanto? É claro que é. Por isso que a gente só pede de quatro em quatro anos, quando todos ficamos infalíveis, bonitos, imbatíveis; é por isso nunca ficamos satisfeitos. Nosso desejo de perfeição veste amarelo.

22 de junho de 2006

Coisas da vida, Zico

Leio no blog do Tiago Petrik - www.nominimo.com.br - que o Zico, em uma conversa com ele, reclamou de tudo ao justificar a até aqui lamentável campanha do seu time: falou dos juízes, da falta de 'camisa' do Japão, do horário do jogos, da Fifa (não se referiu ao excesso de pólen no ar alemão, deve ter guardado isso para a próxima entrevista). Com todo o respeito pelo ex-jogador: a vida é assim, meio injusta. Por isso que gostamos tanto de futebol, um esporte em que nem sempre o melhor vence. As zebras ocorrem muito mais no futebol do que em outros esportes; na vida também é assim. Chororô pega mal, principalmente para um cara que teve uma carreira vitoriosa, pelo menos naquele time da Gávea. Nem sempre juízes erram de forma consciente, proposital. Eles também erram por errar, como jogadores de futebol, como médicos, como jornalistas. Insinuar que a Fifa não tem interesse no mercado japonês é risível. Em 78, 82 e 86 todos torcemos para o Zico repetir na seleção o futebol que jogava com a camisa rubro-negra. Ele teve alguns bons momentos em 82 e, mesmo, em 86 (aquele belíssimo passe para o Branco, no jogo contra a França). Mas não foi o Zico que esperávamos ver. É da vida: Fontana, Dario e Gilmar (terceiro goleiro em 94) foram campeões do mundo; Zizinho, Zico e Falcão, não. E vida que segue, como diria o botafoguense João Saldanha - o mesmo que afirmava: quem reclama, já perdeu.

16 de junho de 2006

Ninguém merece (2)

Ainda sobre pressões: o Pelé foi e é mais sábio. Sempre demonstrou que nunca acreditou muito nessa história de ser o Pelé. Separava Édson de Pelé e, até hoje, se refere a este na terceira pessoa. O Pelé era o outro. Ninguém - ele sabia e sabe - poderia carregar o peso de ser Pelé. O cara é rei, até por isso.

Inhos

Robinho, Ronaldinho, Juninho, Cicinho: que venham os inhos!

Saravá!

O físico arredondado, a cara gorducha, aqueles balangandãs no pescoço... O Maradona não tá a cara de pai-de-santo de subúrbio?

Ninguém merece

Ronaldo disse que ninguém merece tanta pressão, uma pressão que classificou de enorme. Com todo o respeito, carinho a admiração pelo maior jogador da Copa de 2002: como assim? Ele não é ninguém, um reles ponta-esquerda de um time de subúrbio. Ele é o cara, o Fenômeno, já eleito o melhor do mundo, arrendatário dos passes de algumas das mais desejadas mulheres do planeta, dono de uma conta bancária que só faz crescer. Será que ele achava que tudo isso viria de graça, sem pressão? Como dizia o velho Fernando Bueno, ex-fotógrafo da sucursal do Estadão no Rio: há bônus e ônus. No caso do Bueno, estes costumavam vencer aqueles de goleada; já no caso do Ronaldo, acredito que a ordem seja inversa. Nosso atacante já deu provas de talento e de superação, aquela história do joelho partido e a consagração na final da Copa é quase inacreditável, parece roteiro de filme bobo americano. Mas aconteceu, né? Ronaldo, pelo visto, passou a acreditar demais nos sonhos midiáticos vendidos para quem, nos estádios, fica apenas nas arquibancadas. Acreditou tanto neles que não notou que a barriga crescera, que a velocidade diminuíra. Barrigas só não crescem nos super-heróis dos filmes, dos quadrinhos. Nós, do lado de cá, até podemos acreditar nesses heróis; vocês, protagonistas, não. Se vocês falham, a gente pode trocar de herói, já vocês se arriscam a trocar de papel: sai o Super-Homem, entra o barrigudo patético e decadente de "Os Incríveis".

9 de junho de 2006

A grande Copa

A festa da abertura da Copa estava assim meio assim-assim. Meio brega demais, um pouco com cara de oktoberfest. Negócio meio chinfrim, bom para reforçar o estereótipo que opõe alemães e festa. Até que começou o desfile dos ex-campeões do mundo: Jairzinho, Paulo César, Bellini, Roberto Miranda, Félix - feliz, feliz, em cadeira de rodas -, Clodoaldo. Melhor, e para sempre: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino. Cito, claro, de memória, já tinha nove anos na Copa de 70, a maior de todas. Minha primeira Copa, meu primeiro campeonato do mundo (com um time cheio de botafoguenses). Minha infância desfilou hoje em Munique, foi bonito pacas.

6 de junho de 2006

Vento suburbano

A perda dos referenciais de uma cidade talvez seja uma das conseqüências mais terríveis da evolução dos tempos. Uma sorveteria que se foi, uma praça que não existe mais, o frapê de coco do finado Simpatia que até hoje provoca suspiros no Joaquim Ferreira dos Santos. São esses marcos - alguns muito delicados, como o vento que corre entre os pilotis do prédio do MEC - que nos dão uma sensação de intimidade e de segurança: a certeza de poder marcar um encontro na estátua do Bellini sabendo que a estátua do Bellini vai estar ali. São esses marcos, muitas vezes únicos, pessoais, intransferíveis, que fazem com que consideremos uma cidade como nossa. No sábado passado tomei fôlego para uma incursão que deveria ser banal, o aniversário de uma prima me levou a uma região do subúrbio carioca muito próxima àquela em que nasci e me criei. Fui cedo com a promessa de não sair tarde, meu deadline seria às 21h. Na ida e na volta passei por ruas e avenidas conhecidas desde que me entendo por gente: Suburbana, 24 de Maio, José Bonifácio, Marechal Rondon. Endereços que, nas noites de hoje, chegam como ameaça - assaltos, tiros, mortes. As ruas estão lá, algumas referências - as estações de trem, o viaduto do Méier, a prima, as tias - também. Mas o vento que agora sopra por ali é outro. Ameaça e constrange alguém que sente medo em circular por uma região em que cresceu. É quase um sentimento de traição, como uma negação ao que se é; algo que chega a envergonhar. Sozinho no carro, respirei aliviado apenas por volta das 21h30, quando cheguei à praça da Bandeira, faltava só atravessar o elevado (onde, há uns quatro meses, testemunhei um assalto) e o túnel. Fantasmas vencidos, estava em casa. No dia seguinte, vi a notícia do assassinato do Rodrigo Netto, dos Detonautas. Morador da Fonte da Saudade (quase vizinho), fora à Cascadura visitar uma tia (quase vizinha às minhas tias). Ficou pelo caminho, na Marechal Rondon, aquela mesma que eu, menos de 24 horas antes, cruzara preocupado, com o pé fazendo peso no acelerador e os olhos atentos para a chegada de um possível inimigo.

2 de junho de 2006

Tim Lopes

Hoje faz quatro anos que o Tim foi assassinado numa dessas nossas ribanceiras/nação (não dá para, mais uma vez, deixar de citar o Chico). E tome Chico: fogueira desvairada, cidadãos inteiramente loucos, bandeiras sem explicação, fronteiras, munição pesada. Na segunda-feira, menos de 24 horas depois do assassinato, um amigo comum, o Frei David, me contou: nosso irmãozinho foi morto. Fora descoberto, preso, torturado, queimado. O assassinato do Tim foi também um golpe mortal - mais um, esse poço parece não ter fundo - na possibilidade de construção de uma cidade. Antes, e acima de tudo, o Tim acreditava em pontes, em ligações entre nossas cidades partidas. Ele personificava esta ponte, bem recebido que era em favelas e em Ipanema, cheio de amigos e de - ex!, ex! - namoradas por toda a cidade. Gaúcho do morro da Mangueira, mulato carioca, sangue/suingue pra lá de bom. Mais do que repórter investigativo, era repórter solidário, empenhado em fertilizar ligações, estabelecer contatos. Seu assassinato foi também o assassinato de uma cidade possível, menos excludente, do Leme ao fundo de quintal. Na praia de domingo, a matéria do Tim não era o nosso óbvio biquini-sorvete-apito. Ele via o vendedor de sorvete, o sujeito do mate, o cara do biscoito Globo. Na briga, tomava o lugar de quem apanhava, não do que batia. Suas matérias, no JB, no Repórter, na Globo, tratam, principalmente, de injustiças sociais, violência policial, dos dramas e sonhos de gente pobre. Nada o deixava mais feliz do que botar no ar uma história de alguém que contava como conseguira superar as dificuldades impostas pela vida. Era como se ele recontasse a própria história. Anjo no nome, morreu como o padroeiro: flechado, furado, rasgado, queimado. Crivado, clareai nossa visão.

31 de maio de 2006

Fora do mapa

Recebi ontem o recém-parido "Almanaque anos 70", na Ana Maria Bahiana, uma bela publicação da Ediouro. Sou de 61, portanto, vivi minha adolescência nos anos 70. Esse é o "meu" almanaque, certo? Errado. Melhor: nele eu descobri que, adolescente suburbano (Piedade e Méier), existo na memória que se forja oficial apenas como um ser midiático. Novelas (Casarão, Gabriela, Estúpido Cupido), programas de TV (Chico City, Satiricom, Globo Cor Especial), jingles, filmes (Bergman, Woody Allen, Kubrick - Barry Lyndon!), shows, Chico, Beatles, Caetano, e, vá lá, peças (Trate-me leão, claro). Havia também as copas do mundo, os crimes nos jornais (Doca Street, Van-Lou, Cláudia Lessin). Pelo Almanaque descubro que os meus anos 70 reconhecidos como tal foram aqueles que pude compartilhar pelos meios de comunicação ("de massa", como então se dizia). No mais, eu não existi. Não tomei o sorvete do Morais, não comi o sanduíche do Gordon, não freqüentei o píer, não comprei nada na galeria River (River, para mim, era nome de um clube em Piedade, o Zico jogou futebol de salão por lá; criança, fui levado a alguns de seus bailes de carnaval e, bem depois, no fim dos setenta, cheguei a aparecer, vez ou outra, nas discotecas que rolavam nas noites de domingo). Folheio o almanaque, e nada sobre o River. Nada também sobre os blocos que passavam pela avenida Suburbana, sobre os filmes de sacanagem que a gente ia ver no Ridan, em Pilares (que depois virou Sambola). E o Bruni Piedade? Boas poltronas, cortina de veludo que protegia a tela - este virou igreja, mas isso não é contado em nenhum almanaque. Pelo que vi, não há nenhuma linha sobre o Mackenzie, o grande clube do Méier - vi um show da Gal Costa lá, na quadra de esportes. O Johnnhy Mathis também cantou ali, Dias da Cruz, quase esquina da Pedro de Carvalho (também se apresentou no Tem-Tudo de Madureira). Tudo isso por lá - lá que não figura no mapa, como diz o Chico (ele notou que, em boa parte dos mapas do Rio vendidos por aí, os subúrbios sequer são mostrados). Meus anos 70 também ficaram fora do mapa.

23 de maio de 2006

Bandeiradas

"Normalmente é no banco de trás. O banco é rebatível, sabe? Fica feito uma cama. Mas, de vez em quando, na pressa, é aqui na frente mesmo. Nesse banco aí que você tá sentado."
"Ahã", devo ter feito, enquanto conferia de maneira exagerada e caricatural o estado do assento, do banco do carona. "Aqui tá tudo limpinho, né, companheiro?", brinquei: "Pelo visto tá tudo seco...".
O sujeito pareceu gostar da brincadeira. Ficou mais à vontade para prosseguir no relato de suas aventuras sexuais no táxi.
"Ali atrás - fez, com uma ligeira virada de rosto, uma referência à mala do carro - tenho tudo que precisa. Lençol, travesseiro, camisinha..."
Mas, e a violência, os assaltos? Não seria complicado namorar no carro hoje em dia? Onde é que ele parava o táxi?
Havia alguns locais. Mas o preferido era um depósito de material de construção, lá perto de sua casa, em Nova Iguaçu. Estacionava bem atrás de um monte de areia.
As, digamos, passageiras eram fixas?
Variava, eu deveria saber. A namorada mesmo não gostava tanto dos malabarismos no táxi. Cliente de carteirinha mesmo era a filha de uma vizinha, 16 aninhos de pura sacanagem. Mal podia ver o táxi passar pela rua.
"Só as duas?"
Ele fez um ar de cansaço, de quem anda rodando mais do que o razoável. Aquele jeito de quem diz isso-aqui-ainda-acaba-comigo.
"Que nada. Parece até que elas adivinham, que fazem sinal de propósito. Fingem que querem o táxi, mas ficam mesmo de olho no kit que tem lá na mala."

22 de maio de 2006

Naicetomitiu

fernando molica



"O que quer dizer 'naicetomitiu'?". A corrida no táxi estava quase acabando, mas o motorista insistia em tentar descobrir o que o gringo que me antecedera em seu carro dissera para ele. Naicetomitiu.
"Ele, pelo visto, gostou do seu trabalho. 'Nice to meet you' é uma forma de agradecimento, uma maneira de dizer que ficou feliz em conhecê-lo."
Ah, bom. Pensou que fosse alguma sacanagem, língua de gringo, sabe como é que é.
Fica tranqüilo, foi um elogio.
"Conheço algumas palavras em inglês. Thank you, good morning. Mas nunca tinha ouvido o naicetomitiu. Quer dizer que ele gostou do meu serviço?" - o taxista demonstrava não confiar muito no agradecimento do gringo nem na minha capacidade de traduzi-lo (neste ponto, sua dúvida fazia sentido).
"Já falei, amigo - disse enquanto pagava a corrida. - Foi um elogio. Você é um bom motorista."
"Tá bom, OK. Mas...(eu já tinha colocado meio corpo pra fora do táxi, mas havia uma outra questão, urgente, pelo visto, a ser resolvida)...o que quer dizer ropetosiuagueim?"

21 de maio de 2006

Inútil paisagem

13h26, domingo de sol, outono no Rio, plantão. Na saída do almoço alguém ouvia o barquinho vai, a tardinha cai. Caí rápido pra dentro da TV. São e salvo; o dia aqui só chega filtrado pelos monitores. Pra que tanto céu, meu Deus?