27 de março de 2008

Bom dia para mudar

Caríssimas, caríssimos.
Foi um prazer recebê-los. Mas agora estou de casa nova. Apareçam por lá: além do blog, há um site sobre meus livros.
O arquivo do blog antigo continuará por aqui.

Abraços,

Molica

O novo endereço é http://www.fernandomolica.com.br/

Lançamento: "O ponto da partida" - 16/4, livraria DaConde


26 de março de 2008

Capa



Não resisto: aí vai a capa do meu novo livro, "O ponto da partida". A capa é da ótima Mariana Newlands. O livro começará a ser distribuído no início de abril: o lançamento será no próximo dia 16, na Livraria DaConde, no Leblon.

24 de março de 2008

Vá lá


"Não estou lá", o filme sobre a(s) vida(s) de Bob Dylan é imperdível: pra quem é fã do cara e/ou gosta de cinema. Acho quase impossível alguém gostar mais ou menos do longa: é pra aplaudir de pé ou pra sair correndo da sala. Eu fiquei com a primeira opção, dando vivas à ousadia do diretor - Todd Haynes -, que foi tão radical quanto Dylan. Ele sacou que a história do cantor não é linear, seria difícil contá-la da maneira tradicional. Então, dividiu a vida de Dylan em vários pedaços e delegou a tarefa de interpretá-los a seis atores (um deles, uma atriz, a espetacular Cate Blanchett). Do mosaico, de uma montagem aparentemente - e só aparentemente - caótica, surge a figura multifacetada do cantor. De quebra, tem talvez a melhor cena de sexo dos últimos anos. Cena que frustrará voyeurs: "Pô, não mostra nada!", reclamarão. Pois: não mostra, mas revela.

23 de março de 2008

A língua de George 2

Um amigo, rápido no pensamento e no teclado, fez uma observação importante (ver comentário no post anterior). Nem todo mundo que tem/porta/vive o/com o HIV tem a doença aids. Nesse caso, ele argumenta com razão, não é absurdo dizer que a pessoa "vive com o HIV" - ou seja a pessoa não é doente, apenas tem/porta um vírus que pode causá-la. OK, mas existe também a expressão "vivendo com HIV/Aids" - que pressupõe a existência da doença. Não se diz que a pessoa "tem Aids". Mas, ao mesmo tempo, ninguém diz que fulano "vive com câncer", mas que ele "tem câncer". Como também é mais comum se dizer que a pessoa é diabética ou tem diabetes.
Cada um que escolha a melhor forma de nominar sua condição de vida: a aids trouxe, além da doença, uma série de preconceitos que ainda precisam ser combatidos. A minha dúvida é se o recurso a palavras supostamente menos agressivas também não contribui para - num efeito oposto ao desejado - aumentar o preconceito. E, um último comentário: acho redundante falar que a pessoa está "vivendo com HIV/Aids" - afinal, ela está viva.

A língua de George

A onda do politicamente correto tem lá seu valor: lançou um alerta sobre palavras e expressões que, além de definir algo, serviam para expor, alimentar e manter preconceitos. É bom ver, por exemplo, que verbos como "judiar" praticamente não são mais utilizados.
Mas o problema é quando a luta contra o estigma serve apenas para escamotear um problema - é como se a simples mudança do nome do problema fosse capaz de resolvê-lo. E aí, tome de eufemismos. Até entendo a luta contra a palavra "lepra" e a busca de sua substituição por hanseníase: afinal, a palavra vem carregada de um peso maldito desde, pelo menos, os textos bíblicos.
Compreendo também a importância de se evitar o termo "aidético", que chegou a ser utilizado no início da epidemia. Ter aids - ser, portanto, "aidético" - significava que o sujeito ia morrer logo ali adiante. Surgiu então a fórmula "portador do HIV", que logo caiu em desuso - é meio esquisito mesmo o sujeito portar um vírus.
Hoje, o correto é dizer que fulano "vive com HIV" - continuo achando estranho. As pessoas podem ter dengue, malária, câncer, cirrose. Mas não podem ter aids - elas vivem com o HIV.
A doença é séria demais para permitir brincadeiras em torno do "vivem com", mas, insisto: até que ponto a expressão eufemística não ajuda a alimentar o preconceito? O Cony volta e meia lembra que, nos anos 50, não se publicava a palavra câncer: a pessoa morria vítima de uma "insidiosa moléstia". Será que isso ajudava na busca do tratamento da doença? Tenho certeza que não.
Saindo das doenças: tornou-se meio moda evitar a palavra "favela" - o mais bonitinho seria falar "comunidade". Bem, condomínios ricos também podem, tecnicamente, ser chamados de comunidade. No caso de "comunidades pobres", não importa que as pessoas morem em péssimas condições, que seus filhos brinquem ao lado de valas negras, que convivam com bandidos armados - o problema é não falar a palavra favela. Eis aí uma ótima saída para as autoridades: dizer que em sua cidade não há mais favelas, mas "comunidades".
A palavra prostituta também saiu de moda: fala-se em profissioais do sexo ou em garotas de programa. Qual a razão disso? Diminuir o preconceito? Talvez. Mas, na prática, isso só revela a hipocrisia de quem prefere varrer problemas para debaixo dos tapetes. No caso, uma sociedade que, pelo jeito, começa a se orgulhar de exportar esse tipo de mão(ôps!)-de-obra qualificada. Não exportamos prostitutas, mas profissionais do sexo. É como não falar em recessão, mas em "crescimento negativo". Isso tudo cheira a aplicação da tal da "novilíngua", a citada pelo George Orwell em seu assustador "1984".

20 de março de 2008

Livros de chuteiras

Som na caixa! Sabe aquela musiquinha que tocava nas transmissões do Canal 100 - a "Na cadência do samba", de Luiz Bandeira, mais conhecida como "Que bonito é..."? Pois. Finja que ela está tocando, ouça o som da torcida e aplauda a entrada em campo dos 16 participantes da segunda edição da Copa de Literatura Brasileira:

Que bonito é
Ver um samba no terreiro
Assistir a um batuqueiro
Numa roda improvisar


Organizada pelo cartola Lucas Murtinho, a competição, bem interessante, é inspirada no Tounament of Books, criado pela revista eletrônica americana The Morning News em parceria com a livraria Powell’s. Em suma: 16 livros disputam a Copa em quatro rodadas. Na primeira, cada participante enfrenta um outro: o encarregado de apitar o jogo - um crítico, um blogueiro interessado em literatura - dá o resultado. Ele é obrigado a dizer por que escolheu A e não B. O mata-mata prossegue até a grande final, quando todos os árbitros podem votar no campeão.
Acompanhei os jogos do ano passado - e foram muito legais. Obrigados a escolher um vencedor, os jurados, de um modo geral, fizeram leituras detalhadas de cada livro. Qualidades e defeitos foram esmiuçados e apresentados em longas resenhas. Ao contrário do que ocorre nos demais prêmios literários, nesta Copa os resultados têm que ser justificados. Claro que não dá pra concordar com tudo, houve impedimentos mal marcados, pênaltis duvidosos, cartões vermelhos desnecessários, casos de doping não comprovados. Mas, pelo menos, dá pra saber por que A derrotou B.
A primeira edição da Copa - vencida por "Música perdida", de Luiz Antonio Assis Brasil (LP&M) - injetou um pouco de ânimo neste certo marasmo da literatura brasileira contemporânea. Alguns autores reclamaram do juiz, vaias pipocaram das arquibancadas, ocorreram zebras: aqui e ali, o tempo ameaçou fechar. Ou seja, durante a Copa tivemos a oportunidade de vivenciar algo raro, uma discussão ao mesmo tempo técnica e emocional sobre a literatura produzida hoje no país. Não se falava em outra coisa nos melhores botequins virtuais. E isso não é pouco - renova ânimos, desperta paixões, gera esperanças.
Mais detalhes, lá no estádio oficial do evento, o Maraca (ou Engenhão) da literatura brasileira: http://copadeliteratura.com (melhor copiar o endereço e jogar no navegador - não consigo, sou um incompetente, eu sei, criar um link que funcione). O primeiro jogo é O amor não tem bons sentimentos (Raimundo Carrero, Iluminuras) x O sol se põe em São Paulo (Bernardo Carvalho, Companhia das Letras). O jurado é o Rodrigo Gurgel.

18 de março de 2008

A camisa do quase

Já sei, já sei. Um sujeito que se diz sério não deveria escrever uma baboseira como a que vem abaixo - pelo menos, não deveria escrever baboseiras conscientemente. Mas é que acabei de ler uma notícia no site do Globo Esporte sobre a decisão do Botafogo de não jogar os clássicos com o uniforme listrado - veja aqui. Boa notícia. Há duas semanas mandei para uma amiga, que trabalha no Botafogo, uma observação: que tal trocar o modelo da nossa camisa tradicional? Não sei se ela teve coragem de levar minha observação adiante, mas repito aqui meus argumentos. O problema é simples: o atual figuro subverte a tradição da camisa listrada. Algumas listras não cumprem seu destino retilíneo e, lá pertinho do calção, quase no limite da camisa, dão a volta, fazem uma curva, retornam ao ponto de partida, traem sua vocação. Veja aqui, ó:



Sei não, mas isso tem muito a ver com a trajetória do time em 2007 - e mesmo, neste início de 2008. No ano passado, quase conquistamos o título carioca (fomos roubados, mas perdemos o campeonato) e a Copa do Brasil (igualmente furtados): íamos bem no Brasileiro, tropeçamos na Sul-Americana, e desandamos de vez. A vaga na Libertadores também ficou no quase. Disputamos os jogos decisivos com a camisa que tem listras que voltam ao ponto de partida. Usamos o mesmo uniforme titular na decisão da Taça GB deste ano. Deu no que deu: com a camisa em que as listras quase chegam ao fim, ficamos no quase. Já no domingo passado, com a camisa preta, derrubamos um tabu.
Claro que vitórias e derrotas não têm a ver com camisas - só um idiota supersticioso pensaria isso. Mas, sei lá, tá regulando, né? Vamos então de preta ou de branca - enquanto não ajeitarmos a belíssima preta-e-branca. E, já que falei de camisas: tá na hora de proibir o Castillo de usar aquela que estampa uma estrela preta. Além de feia, de lembrar aquele fanfarrão frangueiro do ano passado (toc, toc, toc - que seja feliz em sua nova granja), a camisa briga com nosso símbolo: nossa estrela, a que nos conduz, é branca, caramba.

A temperatura de um diploma

O Brasil sempre nos surpreende - nem sempre para melhor, claro. Mas é quase sempre surpreendente. Na sexta passada eu tentei fazer aqui uma ligação entre a vida falsa desejada pelo menino que pediu um par de "chinelos de marca" - para tentar fingir que era rico - com a má qualidade da educação pública no país. Uma educação que fornecia diplomas verdadeiros, mas que se revelavam falsos - atestavam um conhecimento não-adquirido pela maioria de seus possuidores.
Enfim, tentei ligar o Estado que distribui uma falsidade com o menino que - de tanto receber expectativas falsas - assume que só poderá sair da pobreza de maneira ilusória e temporária, pela posse e uso de um bem (um par de chinelos...) que considera símbolo de alguma riqueza.
Depois é que notei que não precisava ter tentado elaborar tanto: naquele mesmo dia, a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha especializada em vender diplomas falsos. Diplomas de instituições sérias que eram comercializados por um bom preço. Se os caras vendiam é porque tinha gente comprando - um diplominha que poderia garantir uma promoção, um empreguinho melhor. Para os clientes, trata-se de um crime menor: duvido que ocultassem isso de amigos, parentes ou vizinhos. Seriam capazes até de enquadrar e pendurar o papel na sala de casa.
Enfim, a escolha é, portanto, do cliente: o que é melhor? Diploma quente de uma escola fria ou diploma frio de escola/universidade quente?

É escandaloso comprar diplomas falsos? E o que dizer das centenas (milhares? É só procurar no Google) de pessoas que elaboram e vendem trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses? E o que dizer dos que compram os tais produtos?

16 de março de 2008

"De cabeça baixa"


Costumo dizer, brincando, que escrever um livro é até fácil (não é não, claro), o complicado, o difícil, é lançá-lo. É definir local e forma de lançamento, preparar a lista de convidados (e tome de catar e transcrever endereços completos - com CEP! - de amigos, parentes, conhecidos), combinar com a editora como fazer a divulgação. Depois, ainda torcer para que o livro, mais um na atual incrível avalanche de lançamentos, não seja apenas mais um. Que ele consiga colocar o pescoço pra fora, seja lido, comentado e, se possível, elogiado.
Isso tudo num mercado voraz, de muitas editoras, poucas livrarias e raros leitores. Os livros deixam de ser novidade em muito pouco tempo, são submetidos a um revezamento quase cruel nos espaços mais nobres nas livrarias. Ficam ali expostos por duas, três semanas - e, se não venderem bem, passam rapidinho para o anominato das estantes. Isso, muitas vezes antes de a primeira resenha ser publicada.
Enfim, na luta, vale buscar formas alternativas de se buscar alguma divulgação para algo tão particular quanto um livro. E o novo amigo Flávio Izhaki, conseguiu armar um esquema bem interessante para trabalhar seu primeiro romance, "De cabeça baixa" (editora Guarda-chuva). Fez um blog só para o livro - blog - e ainda produziu um trailer (isso mesmo, como no caso de filmes). O trailer, bem legal, pode ser visto lá no blog.
O engraçado é que o Flávio, além de cuidar do seu próprio rebento, ainda tem que ninar livros alheios, como o meu próximo - ele trabalha na editora Record. Em comum, temos a mesma capista, a ótima Mariana Newlands. Ah, o livro do Flávio será lançado no próximo dia 25, na Argumento, aqui no Rio.

14 de março de 2008

Chinelos de marca

Maria Augusta conta que, durante a produção, um menino lhe pediu R$ 50 para comprar um "chinelo de marca". "Perguntei por que queria tanto aquele, e ele retrucou: 'A gente não tem nada, vive numa favela, nem isso pode ter?'. Há, portanto, a percepção da injustiça social. Só que ao mesmo tempo eles compram a imagem do outro, o sonho que jamais poderão realizar", salienta.

O trecho aí de cima foi tirado de matéria do amigo Marcelo Moutinho (www.marcelomoutinho.com.br) sobre o documentário "Juízo", de Maria Augusta Ramos. Bem legal a reflexão que ela faz - meninos pobres tentam "comprar a imagem do outro". Sabem que não serão como eles, como os ricos, os maurícios. Mas podem fingir que são um deles.
O texto no blog do Moutinho foi colocado no mesmo dia em que a Folha e o Estadão abriram espaços para mostrar a incompetência do sistema público de ensino de São Paulo, o estado mais rico da federação. Os números são assustadores, reforçam o que se sabia: a maioria daquelas escolas cumpre mais ou menos o papel do tal "chinelo de marca". Elas apenas vendem a imagem de que são escolas: o diploma de ensino médio de uma delas atesta o mesmo que um outro, de uma das escolas da elite paulista. Na prática sabemos que não é assim.
Mas o que importa é a aparência: um diploma que finge ser um diploma igual ao diploma dos ricos. Um fingimento que rouba sonhos, impede que a esperança prospere. Pra que estudar se este estudo não vai permitir um acesso a uma vida melhor? Então, vamos todos fingir: o Estado dá uma educação fingida, que é coroada com um diploma que não é diploma. Algo que não vai permitir ao formando elementos para tentar ser um "outro". Que ele se contente então em fingir que é um outro, com o tal par de chinelos de marca. Isso, numa sociedade consumista como a nossa, tende a não dar certo. Já não está dando, né?

Lembrei de uma outra história, ocorrida na casa de um outro amigo: uma empregada doméstica tentava convencer o filho adolescente a desistir de um pedido, um par de tênis de R$ 300/400. Lembrou que os filhos de seus patrões usavam tênis bem mais baratos, de R$ 100/120. O garoto respondeu algo como: "Pois é, mãe. Mas ninguém vai achar que os filhos do seu patrão são pobres, eles não precisam dos tênis caros."

12 de março de 2008

"Juno" - onde os homens não têm vez



"Juno" é um filme bonito, sensível, emocionante. O roteiro, vencedor do Oscar, foi escrito por uma mulher (Diablo Cody), o que ajuda a entender a delicada abordagem do tema e, principalmente, o ponto de vista feminino da história - uma jovem, Juno (Ellen Page), de 16 anos, que engravida e decide entregar o bebê para adoção. Os diálogos são inteligentes, ágeis; as soluções dramáticas fogem do previsível. Tudo colabora para enaltecer a lógica de Juno, uma garota encantadora, inteligente, decidida, nada óbvia. Até aí, ótimo. Se eu fosse adolescente seria capaz de me apaixonar por aquela menina.
Mas, horas depois de ver o filme, saquei algo meio incômodo. Para enaltecer Juno, o filme arrasa com os homens. Desde o início fica claro que a transa com um colega de turma que originou a gravidez foi iniciativa de Juno; é ela que decide abortar - vai sozinha para a clínica -, é ela que desiste de interromper a gravidez. É a super e bem-resolvida Juno que decide entregar o bebê para adoção, é ela que toma todas as decisões - inclusive as relacionadas com uma eventual retomada do namoro com Bleeker (Michael Cera). Este, não apita nada, não reclama de nenhuma decisão da moça, não demonstra o menor interesse no futuro do filho que, apesar de estar provisoriamente abrigado no corpo de Juno, é também dele: contribuiu, afinal, com 50% daquela empreitada. O lourinho boa gente só sabe correr, comer balinhas e, claro, por uma única vez, a Juno. Parece até que mandou bem, mas esta é outra história.
Mark (Jason Bateman), o homem do casal escolhido para ficar com o bebê, revela-se outro portador de grandes nádegas. Um sujeito dominado pela mulher que, ao conhecer Juno, tem uma espécie de recaída adolescente e passa a lamentar a vida que deixou de ter. E, ainda por cima, vacila num momento-chave do filme, demonstrando insegurança na hora de dar um grande passo do casal. A mulher dele, Vanessa (Jennifer Garner) revela-se mais, digamos, adulta. Já o pai da Juno é um bom sujeito, um cara que sabe segurar a onda da filha, cumpre o papel esperado na trama do filme. Em "Juno", homem legal é o que não passa de um coadjuvante, "escada" para as aventuras do personagem principal. Como o pai e, de certa forma, Bleeker.
No fim das contas, lembrei ter lido há pouco tempo que cientistas britânicos afirmaram ter criado espermatozóides a partir de células-tronco da medula óssea feminina. Ou seja, se o negócio vingar, nem pra isso serviremos mais. Pelo visto - e, moças, por favor, compreendam o machismo final apenas como um uivo ressentido de quem se vê meio sem perspectivas no futuro - só serviremos mesmo para manobrar carros. Isso, enquanto não vierem aqueles que têm movimentos nas rodas traseiras, que transformam o estacionar numa brincadeira de crianças.

10 de março de 2008

Páginas amarelas

O Globo, 20/10/1991

O balão de quem manda


FERNANDO MOLlCA



Passava das 23 horas do último domingo quando começou o espocar de fogos e tiros. No céu, o motivo da festa: um balão que trazia dependurada a inscrição "Da 12". Da 12, Gilson da 12, varejista de drogas, dono dos morros do Andaraí e Divinéia, morto pela Polícia Federal há dois meses. Morreu na Baixada, foi velado no morro do Andaraf, na quadra do bloco Flor da Mina. Os jornalistas - a exemplo do que ocorre em velórios de algumas celebridades - não puderam entrar.
O comércio da área foi obrigado a fechar, numa manifestação de luto compulsório. No dia seguinte, outra manifestação de poder: crianças do morro foram colocadas à frente do cortejo para impedir fotos dos sócios de Gilson da 12. Não havia como evitar a presença de fotógrafos no enterro.
Tento fotografar o balão que leva a homenagem. Depois, corro para a câmara de vídeo, que, emprestada, passava uns dias lá em casa. O balão já está muito longe. Vou para a TV conferir o resultado. A fita mostra apenas um OVNI, um objeto voador não-identificado, cercado de riscos coloridos. Mas ficaram gravados os fogos, os tiros e os clarões que continuavam a surgir por entre as luzes do morro.
As imagens lembram outras, igualmente precárias, meio indefinidas e assustadoras. Aquelas, dos mísseis que cruzavam os céus do Iraque, Israel e Arábia Saudita durante a Guerra do Golfo. Novos estampidos fazem contraponto à minha CNN privé. Aqui, â guerra continua. Já estou, de novo, pra cá de Bagdá. De volta ao Grajaú.
Entro no quarto de meus filhos e, como dissera pela manhã Lisa Simpson (aquela de "Os Simpsons"), sinto um "arrepio ético". E se, o mais velho, de 4 anos, tivesse acordado e me perguntado o motivo da barulheira? Será que eu diria um "nada não, só uma festa para um bandido que morava aqui perto"? Ou será que teria mentido (algo como "mais uma festa pelo Dia das Crianças")? Bem, ele não acordou. As varandas e janelas que me cercam já retornaram para seus domingos. Quem não decifrou o enigma do "Da 12" deve estar até aliviado - foi só um balão, nada comparável com os tiroteios que costumam varar madrugadas.
Melhor também para os do morro - não houve troca de tiros, apenas uma barulheira danada que durou uns dez minutos. As crianças de lá devem ter acordado - as de 4 anos ou mais certamente já sabem quem foi Gilson, conviveram com ele. Muitas podem até ter trabalhado para ele. Todas devem ter ficado fascinadas com o espetáculo do balão.
Apesar das deficiências do ensino brasileiro, elas não devem ter tido nenhuma dificuldade para decifrar o "Da 12".
Essas crianças também devem saber quem é o número da vez. A numerologia de subsistência deve ser aprendida com presteza: ao contrário dos grandes atacadistas das drogas, estes, digamos, franqueados, costumam ter vida curta. Gilson morreu com 27 anos.
O território de Gilson da 12 era por ele mesmo chamado de "Cidade sem lei". A expressão revela orgulho, mas, ao mesmo tempo, apresenta um erro no diagnóstico. Existem leis por lá. Só que são outras, diferentes das que, pelo menos em tese, vigoram fora dos limites daqueles morros. Leis criadas sem necessidade de uma Constituinte, bastante claras e duradouras: resistem melhor à mudança de xerifes que as leis brasileiras às trocas de presidentes. Não é preciso sequer uma emendinha para modificar algo tão simples como um "quem manda aqui sou eu".
Enfim, foi só o barulho. Afronta por afronta, soltar balões também é ilegal. Mesmo que não homenageiem traficantes. Nada de muito grave, de anormal. Como os seqüestros, os assassinatos, os roubos de carros, cabelos, tênis, mochilas e cestas básicas. Como o extermínio de crianças e jovens. Há anos que dormimos com barulhos como esses.

Resposta

Tu és time de fanfarrão,
Ganha metendo a mão.
Que papelão...
Eu nunca me calarei,
Onde estiver gritarei,
Pega ladrão.

7 de março de 2008

Exportação de gente

O Itamaraty está certo ao partir para a retaliação no caso dos brasileiros barrados em Madri. É do jogo globalizado, um jogo esquisito que propõe a abertura de fronteiras para produtos e seu fechamento para seres humanos. Um jogo cruel e injusto, especialmente para países, como os das Américas, que receberam tantos e tantos italianos, portugueses, japoneses, alemães, espanhóis. Na época, eles é que precisavam sair de seus países em busca de uma vida melhor.
Mas, sei lá, dói o coração ver incontáveis brasileiros sendo obrigados a sair do país. É claro que o rigor nas fronteiras e nos aeroportos é diretamente proporcional ao aumento dos brazucas clandestinos no primeiro mundo (Ana Beatriz Marin publicou um post interessante em http://oglobo.globo.com/blogs/barcelona/). Lembro que há uns quatro anos li, em O Globo, a carta de um italiano escrita logo depois dele levar o neto ao aeroporto. O rapaz acabara de partir para a Europa, ia tentar a vida por lá. Fazia o percurso inverso do avô. A carta era triste, muito triste. Acho que cada um tem o direito de tentar a vida em qualquer lugar, por qualquer motivo. Mas dá pena ver tanta gente indo embora. Não gosto de ver o Brasil como exportador de gente: dentistas, putas, jogadores de futebol, cientistas, tanto faz. Era melhor quando recebíamos os imigrantes - sinal de que o sonho era viável por aqui.

6 de março de 2008

Retaliação

Pra equilibrar o jogo com a Espanha, que insiste em barrar brasileiros, que tal devolvermos o Chico Recarey e aqueles espanhóis donos do Bateau Mouche? Vingança, vingança!

5 de março de 2008

A Varig e o peru do Di Cavalcanti

O quadro que ilustra este post, de autoria do Di Cavalcanti, fazia parte do acervo da antiga Varig e acabou sendo leiloado para pagar parte das dívidas da empresa. A Varig, em seus tempos áureos, tinha pedido ao Di para pintar um quadro para decorar sua loja em Lima, algo que tivesse elementos locais. O Di mandou o quadro com duas baianas em Salvador. O cara da Varig achou bonito, interessante, mas... e a chamada cor local, a referência ao Peru? O pintor então resolveu o problema. "Ah, é isso que vocês querem?" - perguntou. Pegou o quadro, armou-se com pincel e tintas, e pintou um peru logo abaixo das baianas.

A Varig e o Roberto Campos

O ex-deputado Roberto Campos - que, pelo menos, tinha bom humor -, dizia que o Brasil era um país tão esquisito que, enquanto o comunismo definhava no mundo inteiro, por aqui havia três partidos comunistas (hoje são apenas dois). Não faz muito tempo, a Varig estava para acabar, ficou um tempão na UTI. Mas foi vendida, e, depois, revendida para a Gol. E, agora, a velha Varig - a que ficou com as dívidas -vai renascer, com o nome meio esquisito de Flex. Uma empresa modesta, que vai começar apenas com um avião. Mas vai voltar. Ou seja, tudo indicava que não haveria mais nenhuma Varig, mas haverá duas. Imagina a confusão pra explicar isso tudo pros credores lá fora.
Vida longa para as duas.

3 de março de 2008

O menino no sinal

A cena foi talvez lírica, talvez mais uma simples demonstração de miséria - ou as duas coisas, sei lá. Ocorreu na semana passada, no sinal que dá acesso à Radial Oeste, ali bem perto da UERJ. Um menino de dez anos - ou onze, ou doze, ou treze -, magro, sujo, descalço, esperou o sinal fechar para colocar-se diante da fila de carros. Em seguida, ensaiou o gesto de quem iria começar a fazer malabarismos com bolinhas de tênis. E iniciou a apresentação. Até aí, nada demais. O curioso é que não havia bolas. O menino mantinha o olhar no alto, movimentava alternadamente os braços, procurava equilibrar as bolinhas virtuais. Fazia isso muito sério: não sorria, não brincava com a situação um tanto quanto inusitada que promovia naquele início da tarde. Em troca do espetáculo, recebeu moedas tão virtuais quanto as suas bolinhas de tênis. Ninguém lhe estendeu um trocado sequer. Sinal aberto, ele sentou-se no canteiro com o mesmo ar triste. Eu já engatava uma segunda no momento em que passei por ele, pelo garoto que, ao protagonizar um espetáculo um tanto quanto patético, conseguiu ao menos chamar minha atenção para algo que já se tornou rotina: a presença de meninas e meninos, em horário escolar, pedindo dinheiro nos sinais. Ao engatar a terceira, lembrei o quanto isso é absurdo.

1 de março de 2008

Parabéns pra você



Berço do samba e das lindas canções
Que vivem n’alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
(Cidade Maravilhosa, André Filho)

Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
(Samba do avião, Tom Jobim)

Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, deste mar, desta gente feliz
(Valsa de uma cidade, Antônio Maria e Ismael Neto)

O Rio de Janeiro continua lindo
O Rio de Janeiro continua sendo
(Aquele abraço, Gilberto Gil)

Rio 40 graus
Cidade maravilha
Purgatório da beleza
E do caos...
(Rio 40 graus, Fernanda Abreu)

O poente na espinha
Das tuas montanhas
Quase arromba a retina
De quem vê
(Carioca, Chico Buarque)

Brasil!
Tira as flechas do peito do meu Padroeiro
Que São Sebastião do Rio de Janeiro
Ainda pode se salvar!
(Saudades da Guanabara, Moacyr Luz, Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro)


Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil

29 de fevereiro de 2008

O Cid é alemão!

Cientistas torraram uma grana e passaram horas e horas diante de computadores para reconstituir o rosto de Johann Sebastian Bach. Tudo isso para concluir que o genial compositor era a cara do Cid Benjamin.

Palavra de cardiologista

O amigo, botafoguense e grande cardiologista Marcelo Assad me mandou o texto abaixo, que também aborda o comportamento do Souza, atacante do Flamengo. Por falar nisso, boa a atitude do Kléber Leite, vice de futebol do Flamengo, de ligar para o Bebeto de Freitas, presidente do Botafogo. É hora de baixar a bola e impedir que a tensão - agravada pelo gesto irresponsável do Souza - complique ainda mais a relação entre as duas torcidas. Sensatez nunca é demais, né?
Por via das dúvidas, acho que vou passar a ficar ao lado do Marcelo nos jogos do Botafogo. Pode ser útil ter um cardiologista por perto...


A cena patética e infeliz estampada na primeira página do Globo, retrata a irresponsabilidade, ausência de profissionalismo e respeito,de um pseudo "profissional" da arte da bola. Não podemos esperar que o Souza tenha a percepção e a sensibilidade para captar as consequências de sua grosseira e infantil atitude, muito própria dos campos de várzea ou do aterro do flamengo. Esperamos que pessoas ligadas ao Flamengo, portadoras de maior discernimento e entendimento, possam orientar este rapaz, que vêm se protagonizando por agressões físicas e morais à colegas de profissão e a torcedores que contribuem para seu desproporcional e exagerado salário. Até admitimos que ele lance mão de artifícios para sobressair e aparecer, já que não será por sua qualidade ou capacidade profissional que alcançará êxito nesta empreitada. Reflitamos se algum craque do passado como: Nilton Santos, Garrincha, Pelé, Tostão, Gérson, Zico, Falcão ou Roberto Dinamite agiram em algum momento com tamanha imbecilidade. O que nos conforta é ter a certeza que jogadores assim, não representam nada e que num curto espaço de tempo, ninguém mais se lembrará deste nome.A rivalidade entre os clubes sempre existiu e sempre existirá, mas que se mantenha no patamar do amor, da torcida ao seu clube e que não tenha a contribuição dos profissionais para que a violência e a insensatez imperem.

Marcelo Assad
Rio de Janeiro

28 de fevereiro de 2008

Horário da lua

Mudando de assunto: o release da Prefeitura do Rio já é meio velhinho, mas vale reproduzi-lo aqui. Trata da programação do Planetário para o eclipse ocorrido agora, em fevereiro. Na pressa, o coleguinha que o redigiu, escorregou ao acentuar a palavra "nu" - isso passa. O mais curioso é o horário em que, segundo o comunicado, o eclipse atingiria seu ápice: 24h46 - ou catorze minutos para as vinte e cinco horas. O tal do eclipse mexeu tanto com o nosso planeta que acabou gerando um dia de 25 horas. O pior é que o release - que pode ser lido em http://www.rio.rj.gov.br/pcrj/verao2008/ - foi reproduzido em vários sites, com o tal horário de 24h46. É só fazer uma busca no Google.

Planetário distribui senhas para ver eclipse total da lua na quarta-feira

Depois de amanhã, quarta-feira, o eclipse total da lua poderá ser acompanhado pelos interessados, no Planetário da Cidade, na Gávea, que distribuirá gratuitamente 260 senhas aos vistantes a partir das 22h.

O início do eclipse, que também poderá ser visto a olho nú, está previsto para 22h43 e atingirá seu ápice à
(ôps!) 24h26, terminando às 2h09 da madrugada de quinta-feira.

Com sede na Rua Vice-Governador Rubens Berardo, 100, a Fundação Planetário do Rio de Janeiro dispõe de quatro telescópios modernos em cúpulas de observação com aberturas em forma de fenda que podem localizar até 64 mil objetos no céu. Mais informações podem ser obtifdas pelao telefone 2274-0046.

Postado em 18 de fevereiro de 2008.

O gesto do Souza e o ministro do Chico

A nova letra que a torcida do Flamengo fez para a "Ninguém cala..." é, admito, engraçada. Melhor isso do que dizer que vai matar, trucidar. Sacanear a torcida adversária faz parte do jogo, da brincadeira - assim como reclamar do juiz. A sátira lembra aquela outra, sobre o pior ataque do mundo, feita há tempos pela torcida do Vasco.
Mas fiquei preocupado quando, ontem à noite, vi pela internet que o Souza fingiu que chorava ao comemorar o gol que fez contra o tal do Cienciano. Uma outra ironia com a reação dos jogadores, técnico e presidente do Botafogo depois do jogo de domingo. Torcida é torcida, mas o Souza... O cara volta e meia comemora gols fazendo, com as mãos, o gesto de quem dispara uma arma - negócio meio complicado pra quem vive numa cidade violenta como a nossa. Soube há pouco, por um amigo flamenguista, que volta e meia o mesmo jogador faz outro gesto, cruza os punhos cerrados sobre a cabeça - algo que remeteria para um outro tipo de organização, daquelas que disputam territórios em morros cariocas. Céus!
No domingo, o Souza começou toda aquela desnecessária confusão depois do primeiro gol do Flamengo - o empate não era bom pro Botafogo, não haveria porque seus jogadores retardarem o reinício da partida. O Souza não precisava ir lá disputar a bola com o Castillo. Agora, o sujeito sacaneia todo o Botafogo - jogadores, dirigentes, técnicos e, mesmo, torcedores. Sacaneia colegas de trabalho, incita a torcida, acirra ânimos. Espero que isso não renda mais confusão. Mas, do jeito que as coisas andam - lembremos que um torcedor do Botafogo foi morto depois do jogo de domingo -, tende a dar merda. Faltou à diretoria do Flamengo um diretor do "Vai dar merda", um equivalente clubístico ao ministério que o Chico Buarque sugeriu ao governo federal. Alguém que, há algum tempo, tivesse dado uma bronca no Souza. O problema é que, de um modo geral, dirigente adora qualquer gesto que o identifique com a torcida. Mesmo que isso causa problemas lá na frente, que coloque ainda mais em risco a vida dos que se dispõem a ver jogos no Maracanã.
Acho que os dirigentes do Botafogo e do Flamengo poderiam tentar dar um jeito de diminuir esta tensão, os dois times vão se enfrentar em breve, na disputa pela Taça Rio. O Botafogo reclamou do juiz, mas sequer insinuou participação da diretoria do Flamengo numa suposta armação - isso abre caminho para um entendimento. Repito o que já andei dizendo em comentários anteriores: muitos e muitos torcedores deixam de ir ao Maracanã quando seus times enfrentam o Flamengo. Não por medo de perder, mas por medo de apanhar. A torcida do Flamengo não detém o monopólio da estupidez nem da violência (nisso, todas as organizadas tradicionais se equivalem), mas, por ser muito maior que as outras, tem exercitado mais essas, digamos, características. Enfim, cabe aos dirigentes - e também a nós, jornalistas - contribuírem para segurar as pontas. A irresponsabilidade de um jogador não pode colaborar para o aumento de uma já assustadora violência nos estádios e em volta deles.

26 de fevereiro de 2008

Chororô rubro-negro (pra não dizer que só nosostros reclamamos - e pra encerrar logo esse assunto)

1. 09/05/07
Renato: 'Esse juiz é uma m...'
Autor de dois gols, camisa 11 reclama da atuação do árbitro argentino no Maracanã


Márcio Iannacca - Do GLOBOESPORTE.COM, no Rio de Janeiro

O meia Renato, autor de dois gols na vitória do Flamengo por 2 a 0 sobre o Defensor, do Uruguai, pela Taça Libertadores, reclamou da atuação do árbitro argentino Héctor Baldassi. De acordo com o jogador, o juiz deixou de marcar algumas faltas e foi conivente com os atletas do time uruguaio, que retardavam o jogo a todo momento.No fim da partida, Renato correu em direção ao árbitro para reclamar de sua atuação. Contido pelos companheiros, o jogador desabafou:
- O time ficou 90 minutos em cima deles. Jogamos em cima e o nosso time se arriscou o tempo todo. O juiz amarrou o jogo. Esse juiz é uma m... - esbraveja Renato.


2. 10/05/2007 -

Resultado serve para o Boca, diz Kléber
Dirigente xinga árbitro e diz que vai perseguir o argentino até o fim de sua vida


Márcio Iannacca - Do GLOBOESPORTE.COM, no Rio de Janeiro

O vice-presidente de futebol do Flamengo, Kléber Leite, estava revoltado com a atuação do árbitro argentino Héctor Baldassi. O dirigente insinuou que o juiz conduziu a partida para que o Rubro-negro fosse eliminado e, no futuro, não cruzasse com o Boca Juniors. As duas equipes poderiam se enfrentar na semifinal da Taça Libertadores.
- Não sei se vai valer alguma coisa, mas quero que todos saibam o que esse juiz fez aqui. Ele é um ladrão, safado. O Boca Juniors tinha interesse nessa partida. Tenho um bom relacionamento com o pessoal da Conmebol e vamos fazer uma reclamação por escrito - diz Kléber.
O dirigente foi além e afirmou que vai perseguir Baldassi pelo resto da vida.

- Ele vai me aturar pelo resto de sua vida. Ele ganhou um inimigo na vida. Vou atrás dele até o fim - ameaça o dirigente rubro-negro
.


3. "Nós fomos vítimas de um ladravaz"

A frase é de Kléber Leite, vice-presidente do Flamengo, em entrevista também a Juca Kfouri. Ele se refere ao árbitro argentino da partida entre Flamengo e Defensor, pelas oitavas de final da Copa Libertadores. "Eu não tenho dúvida de que esse árbitro argentino veio ao Rio de Janeiro para armar o resultado"..."e beneficiar o Boca Juniors".Kléber afirma que o juíz fez o resultado do jogo e não admite a possibilidade de simples erros. Segundo ele, "há erros e erros, como o da nossa bandeirinha belíssima que se equivocou em dois lances dificílimos. Há outros que se equivocam também, até porque com essa tecnologia de hoje fica difícil competir".

25 de fevereiro de 2008

Dor alvinegra (2)

Tudo bem que futebol seja talvez a melhor metáfora da vida - muita gente boa já disse isso (os argumentos a seguir são de outros, os transcrevo de memória): em esportes como vôlei e basquete são muitas as oportunidades de se fazer pontos; no futebol elas são escassas - como na vida. Nossas chances não são tantas assim, um simples vacilo e lá se vai a mulher, ou trabalho, ou a viagem. Babau. Futebol, com suas regras clássicas e pouco mudadas, representa também um teste para um sentimento de justiça. Parece que o Camus disse que num estádio de futebol, e apenas ali, conseguia se sentir inocente. Em tese, acreditamos que dentro das tais quatro linhas, a justiça vai se impor, soberana, acima das pressões. Mas, como na vida, isso não acontece. O futebol é injusto: por obra do acaso ou mesmo por roubalheira explícita, nem sempre o melhor vence. A gente sabe disso: mas o roubo no futebol, talvez por mexer com algo que tem valor apenas simbólico (nada mais abstrato que um título), machuca muito. Aquela sensação de criança que tem o doce roubado - um doce é tão barato, por que roubá-lo? Nessas horas fica difícil recuperar a inocência detectada por Camus.
Tudo bem, a vida continua, outros campeonatos virão, daqui a pouco a tristeza encontra forças para virar esperança. Mas, caramba, citando Drummond: é só um jogo, mas como dói.

Numa inútil tentativa de consolo, recorro, mais uma vez, a Paulo Mendes Campos.

"Sou preto e branco também, quero dizer, me destroço para pinçar nas pontas do mesmo compasso os dualismos do mundo, não aceito o maniqueísmo do bem e do mal, antes me obstino em admitir que no branco existe o preto e no preto, o branco.
(...)
O Botafogo é um clube com temperamento amadorístico, mas forçado, a fim de não ser engolido pelas feras, a profissionalizar-me ao máximo; também sou cem por cento um coração amador, compelido a viver a troco de soldo.
Reagimos ambos quando menos se espera; forra-nos, sem dúvida, um estofo neurótico. Se a vida fosse lógica, o Botafogo deixaria de levar o futebol a sério, fechando suas portas; eu, se a vida fosse lógica, deixaria de levar o mundo a sério, fechando os meus olhos.
(...)
O Botafogo, às vezes, se maltrata, como eu; o Botafogo é meio boêmio, como eu; o Botafogo sem Garrincha seria menos Botafogo, como eu; o Botafogo tem um pé em Minas Gerais, como eu; o Botafogo tem um possesso, como eu; o Botafogo é mais surpreendente do que conseqüente, como eu; ultimamente, o Botafogo anda cheio de cobras e lagartos, como eu.
O Botafogo é mais abstrato do que concreto; tem folhas secas; alterna o fervor com a indolência; às vezes, estranhamente, sai de uma derrota feia mais orgulhoso e mais botafogo do que se houvesse vencido; tudo isso, eu também.
Enfim, senhoras e senhores, o Botafogo é um tanto tantã (que nem eu). E a insígnia de meu coração é também (literatura) uma estrela solitária."

Dor alvinegra (1)

O Fernando Calazans classificou de "ridículo" o episódio ocorrido ontem no vestiário do Botafogo: a revolta do Cuca, o choro de jogadores e do presidente Bebeto de Freitas. O Calazans foi duro, chamou a cena de "descabida", disse que o técnico alvinegro atuou como um ator canastrão. Engraçado que o rigor tenha vindo de um cronista que tanto prega pela volta de valores meio esquecidos no nosso futebol: na sua coluna, ele defende o jogo limpo e o drible, condena a violência, exalta as equipes que partem para o ataque. Valores que - nestes tempos de "créu", de jogador que comemora gol imitando o gesto de disparar um fuzil - chegam a dar um certo ar nostálgico à sua coluna. Volta e meia o Calazans lembra um daqueles pregadores que berram profecias e anunciam apocalipses no meio de uma multidão indiferente, que sequer esconde um certo riso ao ver o sujeito, terno-e-gravata surrados, a clamar pela salvação.
O Calazans que, certo de sua fé, não teme ser chamado de retrógrado, incorporou, no jornal desta segunda-feira, um pouco do pragmatismo pit-bull que domina nosso futebol e, mesmo, tantos e tantos aspectos da política e das relações aqui no Brasil. Para o cronista, a revolta e o choro não passaram de manifestações ridículas. Engraçado, eu, como leitor habitual de sua coluna, achei que ele poderia até não exaltar a cena, mas, pelo menos, nela veria o ressurgimento de valores importantes, comuns em outros tempos. Tempos em que jogadores tinham sim amor pela camisa, em que dirigentes eram homens apaixonados pelos clubes e não enriqueciam nos cargos. O choro e a revolta de ontem, Calazans, pareceram ser sinceros. Expressavam o desencanto com uma lógica cruel, uma rendição ao poder do clube hegemônico.
No ano passado, o Botafogo foi prejudicado na final contra o mesmo Flamengo. Ontem, isto voltou a ocorrer - duvido que o juiz marcasse aquele pênalti a favor do Botafogo, não consigo entender como ele não apitou quando o Bruno agarrou uma bola atrasada com o pé por um jogador da defesa rubro-negra. Roubo explícito? Não, apenas sucessivas manifestações de boa vontade com um time que hoje concentra o poder no futebol carioca. Como disse aquele juiz assumidamente ladrão - o Edílson -, para prejudicar um time não é preciso anular gols ou marcar pênaltis inexistentes. Basta irritar, inverter uma ou outra falta, tirar o equilíbrio dos jogadores adversários.
O desabafo dos jogadores alvinegros ontem, Calazans, expressou a perda do tal equilíbrio, a revolta com mais uma injustiça. Como muitas e muitas outras manifestações humanas - o amor, por exemplo - ficou ali, na fronteira entre o sublime e o ridículo. Esta capacidade de nos expor é que nos torna humanos, imprevisíveis. Pena que você tenha optado - créu! - por cravar a opção do ridículo e não ter feito nenhuma concessão ao sublime da cena.

22 de fevereiro de 2008

Páginas amarelas/ No balanço de Cuba (1)

Estive em Cuba duas vezes, em 1985 e em 1994. O texto abaixo foi publicado em 17/11/94 no caderno de turismo da Folha. Já está meio desatualizado, muita coisa mudou por lá: até o presidente, quem diria? Mas acho que dá para dar um panorama geral e despretensioso sobre as contradições que já então se assanhavam pela ilha.

Bairro histórico lembra antigo pelourinho

Do enviado especial a Cuba

Cuba mudou mito. De singular tentativa socialista, transformou-se em uma ilha plural. Há o país oficial e o paralelo, o do peso e o do dólar, o do cubano e o do turista. O melhor desta esquizofrenia político-social-econômica é que se pode visitar ambos ou apenas um, ver o que restou do socialismo ou simplesmente ir à praia.
Cuba é possivelmente o único país do mundo em que funcionárias públicas trabalham com as nádegas de fora. Não se trata de mais uma tara daqueles comunistas barbudos. As tais funcionárias são bailarinas de algumas das mais animadas repartições do mundo: os cabarés cubanos.
Em uma quase metáfora das dificuldades do país, os há até poucos anos imensos biquínis revelam hoje escassez de tecido e exaltação de ousadia e liberalização.
Fora o socialismo, as duas Cubas - a do turista e a do cubano - continuam muito parecidas com a nossa Salvador: na ilha não há a miséria baiana. Em compensação, as construções do "novo" Pelourinho dão um banho nos mal conservados casarões e palácios de Havana Velha, bairro histórico da capital cubana.
Lá, como aqui, Iemanjá é Iemanjá. Ogum é Ogum etc. Herança iorubá: nação africana de onde foram levados escravos que serviram às então colônias espanhola e portuguesa. Cubano é parecido com baiano até no desrespeito aos horários - e o pior é que lá todo mundo é funcionário público.
A fronteira das duas Cubas é marcada por uma linha imaginária formada por notas de dólares. Na ilha há os com-dólares e os sem-dólares. Os primeiros podem até dizer que o paraíso não é algo assim tão distante e não fica necessariamente a menos de 200 km ao norte, na Flórida.
Já os sem-dólares são obrigados a viver com o peso, moeda que, se ainda oferece alguma garantia contra o inferno da fome, serve, no máximo, para comprar um lugar nas arquibancadas do purgatório.
Para o turista não há opção: ele está entre os que têm dólares. O peso fica ainda mais leve para o estrangeiro e tem apenas a discutível utilidade de servir como recordação.
Com algum jeito, dá até para se sentir um milionário norte-americano em Copacabana. Isto, até na desvantagem de ser assediado por: 1) meninos (e velhos) pedindo dinheiro (dólar, claro, Fidel Castro já disse que "o real não cheira bem"); 2) funcionários públicos oferecendo rum e charutos a preços que, garantem, ser de ocasião; 3) dezenas de pessoas querendo saber detalhes dos próximos capítulos da novela "Felicidade".
A parte pobre do país, que inclui Havana Velha, é uma mistura de subúrbio carioca com Pelourinho pré-reforma. Apesar da pobreza, do mau estado de conservação dos prédios, dos pedintes, dos traficantes de rum e dos noveleiros, ir a Havana Velha é tão fundamental quanto beber mojitos ou daiquiris, drinques feitos com rum.
Para quem saiu do Brasil disposto a ficar distante de pobres e novelas, o melhor é correr para Varadero, a 140 km da capital, e ficar de molho no mar com águas a 25ºC.

21 de fevereiro de 2008

Isso me irrita! (2)

Telemarketing em geral. Um tipo de telemarketing em particular: a moça liga para o seu celular, se identifica como funcionária de uma operadora concorrente e pergunta (céus!) o nome de quem está falando. Aconteceu comigo umas três ou quatro vezes. Em todas perguntei para a mulher como é que ela tinha a cara-de-pau de ligar para alguém cujo nome ignorava.

18 de fevereiro de 2008

O show dos subsídios

O Ancelmo Góis publicou, o Marcelo Moutinho comentou (www.marcelomoutinho.com.br) - com um título pra lá de sugestivo, "E vai rolar a fe$ta" -, a decisão do Ministério da Cultura de permitir que a Ivete Sangalo vá ao mercado captar R$ 1.850.820,00 para fazer seis shows pelo país. O negócio é mais ou menos o seguinte: com a autorização, a produção da Ivete - uma artista popular, que tem shows lotados e vende muitos CDs e DVDs - vai em busca de patrocínio. O dinheiro que as empresas investirem será abatido de seus impostos. E as empresas ainda têm direito de posar de patrocinadoras do show - na verdade, os patrocinadores seremos todos nós, gostemos ou não gostemos da Ivete, tenhamos ou não tenhamos grana para assistir seus shows, compremos ou não ingressos.
Em tese, o mais justo aplicar dinheiro público em atividades artísticas e culturais que não tivessem como viver apenas do mercado (orquestras, grupos populares e/ou iniciantes, atividades em cidades fora dos grandes centros). Projetos de artistas consagrados poderiam até receber uma graninha, desde que envolvessem uma contrapartida - shows gratuitos, com ingressos populares, sei lá. O complicado é usar o dinheiro de todos para bancar a diversão de alguns e o lucro de poucos.
Pra não ser injusto: a Ivete não é, nem de longe, a única a se beneficiar da lógica de dar dinheiro público para quem já o tem (uma velha prática brasileira, por sinal). Fui dar uma olhada no site do Minc. Olha só que encontrei: a Maria Bethânica conseguiu captar R$ 500 mil reais para a série de shows Brasileirinho II, também chamada de Dentro do mar tem rio. Conseguiu dinheiro na Eletrobrás, Unibanco e Copesul. Pior é que o site diz que houve problemas na prestação de contas. No Canecão, os ingressos pagos por não-estudantes custaram de R$ 60,00 a R$ 140,00 (havia poltronas a R$ 20,00, compradas na hora do show). Em São Paulo, variavam de R$ 100,00 a R$160,00. Ingressos, vale frisar, subsidiados com dinheiro público.
Gilberto Gil conseguiu, em 2002 - antes de virar ministro -, captar R$ 143 mil apenas para a produção editorial de um livro - Todas as letras - que reuniria as letras de suas músicas e apresentaria seus comentários sobre elas. A impressão seria bancada com recursos próprios. Também em 2002, sua produtora captou R$ 860 mil para viabilizar a presença de seu Trio Elétrico Expresso 2222 no Carnaval de Salvador.
Que ninguém diga que implico com baiano. A produção da peça Mademoiselle Chanel, com Marília Pêra, captou R$ 619 milhões: se não me engano, os ingressos de não-estudantes custavam, no Rio, até R$ 120,00. Depois, os produtores conseguiram mais R$ 477 mil para apresentações em outras sete cidades do país.
Paulinho da Viola, um dos artistas que mais admiro, solicitou ao MinC o direito de captar R$ 1.726.300,00 para fazer, em 2008, 20 shows em dez cidades brasileiras. O projeto ainda não foi aprovado. Mais modestos, os gaúchos Kleiton e Kledir querem autorização para captar R$ 233.500,00 para produzir um CD com músicas inéditas que terá a tiragem de 3 mil exemplares: custo unitário, portanto, de R$ 77,83. Ah, cada CD será vendido por R$ 25,00.
OK, os valores são menores que os inacreditáveis R$ 9,4 milhões captados pelos produtores do Cirque du Soleil em 2006. Mas, enfim, ficam algumas perguntas: será que não seria mais justo que o financiamento dos shows e CDs de artistas consagrados fosse feito pelos fãs que compram ingressos e discos? Por que todos temos que pagar por isso? Por que o Estado tem que subsidiar a propaganda feita por grandes empresas? Importante registrar que tudo isso é feito legalmente, não há irregularidade. Mas talvez seja o caso de se repensar esse tipo de investimento público. Enquanto isso, os jornalistas que cobrem a área poderiam passar a incluir o valor captado com base nas leis de incentivo nas matérias sobre estréias de peças, filmes e shows subsidiados.

15 de fevereiro de 2008

Meninas mortas

Não quero transformar este blog num espaço de discussão de segurança pública - o Jorge Antônio Barros faz isso muito bem lá no seu Repórter de Crime (http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/). Mas, caramba: acabo de cobrir a terceira morte de menina de onze anos vítima de bala classificada como perdida. Cobri os três casos: todos ocorreram em favelas durante conflitos entre policiais e bandidos. Nesta sexta, a vítima foi Ágata Marques dos Santos, moradora da Rocinha; na semana passada morreu, na Vila Cruzeiro, a Yorrane Abas Tavares Ferreira; no dia 15 de dezembro passado a bala matou Fabiana Santos Monteiro, moradora do morro do Telégrafo, na Mangueira. Sobre este último caso cheguei a fazer um post no dia 18 de dezembro, A rosa de número 6.001.
A Secretaria de Segurança diz que lamenta as mortes, mas que é assim mesmo, a polícia tem que combater o tráfico. A Polícia Civil soltou uma nota em que afirma que tem procurado agir com "planejamento, inteligência e cautela" para evitar vítimas inocentes. Não duvido das boas intenções das autoridades de segurança, sei que a situação no Rio é muito complicada. Mas não dá pra reagir com naturalidade diante de tantas mortes de crianças. Não consigo acreditar que esse seja o preço que tenhamos que pagar pelo suposto fim do domínio territorial de traficantes em favelas cariocas. Não é a primeira vez que a política de confronto é exacerbada, outros governos já fizeram o mesmo, com resultados pífios. Também não dá para ver com naturalidade cenas de policiais atirando em direção às casas da favela, para o alto do morro, sem mirar num alvo específico. Bandidos fazem isso? Fazem. Mas eles são bandidos, a polícia não pode se igualar a eles.
O pior é que as histórias da Ágata, da Yorrane e da Fabiana vão sumir logo dos jornais (estas duas já desapareceram). O destaque dado aos mortos tem a ver com a renda de cada um. A indignação da população também é proporcional à posição social das vítimas. Não tenho a menor dúvida que a reação da sociedade e mesmo das autoridades seria outra se as meninas mortas morassem aqui, no asfalto, e não lá em cima, nas favelas.

14 de fevereiro de 2008

Direitos dos bandidos, nossos direitos

O caso daquele juiz federal que disse ter sido agredido por policiais civis do Rio
(mais detalhes no Blog do Noblat - http://oglobo.globo.com/pais/noblat -, postagem das 12h24 de ontem, 13/2) - é ótimo para os que acham que qualquer policial tem o sagrado direito de bater em qualquer suspeito (eventualmente, tem também o direito de matá-lo). Essas pessoas, que adoram mandar cartas furibundas para O Globo, acham que a cor da própria pele e a posição social que ostentam serão barreiras à violência policial; têm certeza de que nunca serão atingidas. Tolinhas: defender o respeito aos direitos humanos de acusados de crimes ou mesmo de bandidos não é apenas uma manifestação de justiça e civilidade, é também uma ótima maneira de garantir os nossos direitos, os direitos de todos. Se o policial respeitar o suposto bandido também respeitará o suposto inocente.

12 de fevereiro de 2008

A falsa fatalidade e o samba do Edmundo

Acabo de ler que o pai de uma das vítimas do acidente em São Paulo - aquele em que morreram cinco jovens - disse que o fato deveria servir de exemplo para os mais jovens. Mas, em seguida, classificou o episódio de "fatalidade". Com todo o respeito e carinho por ele, que sofre agora uma dor inimaginável: é um erro se falar em "fatalidade". Ao que tudo indica - e peço desculpas antecipadas caso eu esteja errado - houve sim uma irresponsabilidade coletiva. Não uma fatalidade, mas um resultado até previsível diante da provável combinação entre álcool e volante.

É curioso como a sociedade reage de forma diferente a tragédias que causam mortes violentas. Se as mortes são resultado de uma ação de bandidos, ressurge o coro do pega-mata-come: a pregação por penas mais duras, a negação dos mais elementares direitos humanos, a tolerância com a violência policial. Claro: essas mortes são produzidas pelos outros, por eles, pelos marginais; de um modo geral, feios, sujos e malvados. Já acidentes de trânsito são, de um modo geral, causados por gente como a gente, pessoas que se parecem conosco, com nossos amigos ou filhos. Nesses casos, a grita é mais branda. O crime aparece coberto pela capa da tal fatalidade. Não tenho apoio estatístico para isso (já até tentei usar os dados do DataSus, mas eles são incompletos, não permitem conclusões definitivas), mas sou capaz de apostar que os filhos da classe média morrem mais de acidentes de carro do que de balas disparadas por bandidos. No entanto, tendemos a ter mais medo da ação destes.

Volta e meia se acusa - com razão até - a justiça de ser lenta e tolerante com motoristas que causam acidentes. Mas, de certa forma, a sociedade também é igualmente tolerante. Na madrugada de domingo passado, o jogador Edmundo, depois de circular num camarote no sambódromo, desceu à pista e desfilou no meio de uma escola de samba. De onde eu estava, não ouvi vaias nem qualquer manifestação de protesto quanto à presença, ali, de um sujeito condenado pela morte de três jovens em um acidente de trânsito ocorrido em dezembro de 1995. Julgado em 1999, ele, até hoje, consegue, de recurso em recurso (são sete recursos desde a condenação, segundo matéria publicada em junho passado em O Globo), adiar o cumprimento da pena. Uma pena muito leve, por sinal: quatro anos e meio de prisão em regime semi-aberto.

Duvido que a reação do público do sambódromo seria a mesma caso o desfilante fosse outro. Por exemplo, um homicida comum, ou mesmo aqueles dois condenados pelo assassinato da Daniella Perez (e olha que ambos cumpriram pena). A sociedade é tolerante com os crimes de trânsito talvez até como um habeas corpus preventivo - como se pensasse no que seria capaz de fazer ao volante depois de algumas doses. Na dúvida, exerce com o outro a tolerância que deseja para si. O resultado disso é o silêncio cúmplice diante do desfile de um condenado que se recusa a cumprir a pena.

11 de fevereiro de 2008

Marias e Joãos da Leopoldina

Deve ser coisa do suburbano que nunca deixarei de ser. Mas, para fechar o ciclo carnavalesco - até porque 2008 já começou! -, cito aqui um trecho do samba da Imperatriz Leopoldinense. Escola que já foi a papa-tudo do carnaval carioca, especialista nos tais desfiles frios e técnicos, a Imperatriz fez este ano uma belíssima apresentação e trouxe o mais lindo samba da temporada.
Dizer que em Ramos, "a nossa estação", "imperam Marias e Joãos" é muito bonito e emocionante. Ainda mais quando lembramos que a região da Leopoldina, parte dela dominada por quadrilhas bem armadas, tornou-se foco principal da ação da polícia. Foi lá que, no ano passado, dezenas de Marias e Joãos inocentes foram mortos em nome do combate ao tráfico. E é lá que, de acordo com a previsão do secretário de Segurança Pública, deverão ocorrer outras mortes, digamos, civis. Em meio à barbárie, não custa celebrar de novo as Marias e os Joãos responsáveis pela criação de belezas como os desfiles das escolas de samba. Vida longa e feliz para todos eles.

E Leopoldina será nossa imperatriz
Será também nome de trem
Que passa em Ramos, a nossa estação
Onde imperam Marias e Joãos

8 de fevereiro de 2008

Isso me irrita! (1)

Agenciadores de táxi - ou os próprios taxistas - gritando "Táxi!Táxi!Táxi!". Como já disse algumas vezes para esses sujeitos: eu é que tenho que chamar o táxi, não é o táxi que tem que me chamar.

7 de fevereiro de 2008

Arquivando o tamborim

O 10o. lugar para a Mangueira tem apenas uma explicação: as notas baixas não foram para a escola, mas para o Tuchinha, o traficante que andou frevando pela quadra e virou parceiro do samba. A Mangueira pagou pelas más companhias.

Por falar em sambandido. Pode ser paranóia, mas levei um susto com o refrão do samba da Mocidade Independente:
"Minha Mocidade guerreira
Traz a igualdade, justiça e paz."
Igualdade, justiça e paz - nada contra, muito pelo contrário. O problema é que a seqüência é parecida demais com o lema do CV: "Paz, justiça e liberdade." Na dúvida, parei de cantar o refrão no sambódromo.

Diz a lenda que, antigamente, o Aniz/"Anísio" reclamava: investia uma grana no carnaval e tudo ia por água abaixo na hora em que o Jamelão cantava "Mangueira teu cenário é uma beleza." Pelo jeito, o Neguinho herdou o posto. Pelo carisma, pela simpatia, pela hoje rara fidelidade à escola. O "Olha a Beija-Flor aí, gente!" já é meio caminho andado.

Por falar em Neguinho: foi impressão minha ou a voz dele anda meio assim-assim? Durante o desfile, dava pra ouvir apenas o coro de puxadores. Tomara que seja algo passageiro ou apenas impressão minha.

Não vi, mas um amigo - torcedor da Beija-Flor - observou e contou: a grande Selminha Sorriso deixou a bandeira enrolar diante da cabine do último julgador. Mas não perdeu um décimo sequer.

A máquina de desfilar em que se transformou a Beija-Flor (a definição é de um amigo) reforça a diferença entre escolas de samba e blocos - nestes, dá pra brincar carnaval; naquelas, nada disso. O padrão Beija-Flor impõe um desfile ainda mais técnico do que os apresentados pela Imperatriz há alguns anos.

O Laíla, diretor de Carnaval e de Harmonia da Beija-Flor, é uma espécie de Bernardinho do samba. Quem já foi a um ensaio na quadra da escola sabe do que estou falando.

5 de fevereiro de 2008

Azul, branco e penas

Pode parecer implicância, mas, nesta madrugada, quando a Beija-Flor passou, fiquei com a impressão de já ter visto aquele desfile. As fantasias (muitas penas, muito índio), os carros alegóricos (igualmente penugentos), o samba-enredo: a melodia, o refrão, os versos cheios de palavras e nomes incomuns, tudo lembrava carnavais passados.
Fui então dar uma olhada nos sambas apresentados pela escola nos últimos anos. A seguir, trechos misturados das letras:

Os cunanis, aristés, maracás
A luz que vem de Daomé, reino de Dan
É jeje, é jeje, é querebentã
na “yvy maraey” aiê... povo de fé.
Maués, Anauê cultura milenar
com tubichá e o feitiço de crué
Anauê, Manaus, Mamirauá.


Até pensei num samba para 2009. Algo como:

Assum anê, pondé querê
Mutum cauê:
cereco e tanta.
Teteco alê, surubantê...
Ô dinguelê, mestre de bamba.


O que quer dizer isso? Sei lá, mas fica aí uma contribuição mangueirense para a competente escola de Nilópolis.

2 de fevereiro de 2008

Justiça na madrugada

O tema da proibição do carro da Viradouro sobre o holocausto é delicado: a Constituição garante a liberdade de expressão, a lei municipal que impõe restrições aos desfile trata apenas do chamado vilipêndio a símbolos religiosos. Na dúvida, fico com o direito à liberdade, ainda que respeite e entenda o sentimento dos que, judeus ou não, se chocaram com a alegoria (barra-pesada demais para um desfile. O ótimo Paulo Barros poderia ter encontrado um jeito mais delicado e carnavalesco para tocar no tema: corpos amontoados, Hitler arrependido... argh!).

Muita gente contrária à decisão judicial que proibiu o carro alegou que a juíza que concedeu a liminar seria judia, o que a impediria de julgar o caso com isenção. Discordo. Não dá pra fazer uma associação tão automática assim. É até perigoso cairmos num determinismo deste tipo. Além do mais, nem todos os judeus - como está na edição de hoje de O Globo - concordaram com a decisão da Federação Israelita de pedir a proibição do carro.

Mas um ponto me intriga: a decisão de se recorrer ao plantão judiciário para se buscar a liminar. Isso ocorreu de quarta para quinta, ou seja, os advogados teriam ainda dois dias úteis para recorrer ao Judiciário. Neste caso, eles não saberiam que juiz iria analisar o pedido. Mas preferiram agir à noite ou de madrugada: em tese, eles poderiam saber quem era o juiz (no caso, a juíza) que estaria de plantão. A escala de plantonistas é divulgada no site do Tribunal de Justiça do Rio(hoje, sábado, é a juíza Marcia Cunha Silva Araujo de Carvalho; amanhã e depois, Fernanda Galliza do Amaral).

A questão, insisto, não é se a juíza é ou não judia - faço questão de não apurar isso. Acho até que seria racismo dizer que ela julgaria de acordo com pressupostos étnicos ou religiosos. Também não dá para sequer insinuar que ela já tivesse uma posição a respeito do caso. O problema é que os advogados sabiam que ela é que iria analisar o pedido. O plantão judidicário é para resolver questões urgentes - segundo o próprio site do TJ, casos como habeas corpus, prisão preventiva, busca e apreensão de menor, medida para ingresso em local onde exista alguém em risco, entre outros. Teria sido melhor se os advogados esperassem a abertura do fórum para pedir a liminar - que seria julgado por um juiz não previamente determinado.

31 de janeiro de 2008

Filhos eternos


Não é muito original dizer isso, mas não custa repetir que "O filho eterno", de Cristovão Tezza (Record), é um ótimo livro. E o melhor: conheço algumas pessoas que já o leram. Isso permite algo difícil nesses tempos: conversar, ainda que por e-mail, sobre um livro. Numa dessas conversas, um amigo me chamou a atenção para um dado interessante de "O filho eterno": no fundo, o personagem principal também busca o pai. No processo de rejeitação/aceitação do filho down, ele também se descobre filho, um filho igualmente eterno.
Essa observação permitiu - e a conversa foi seguindo - perceber o quanto o autor é hábil ao criar discretos paralelismos entre a história de seu filho e fatos de sua própria biografia. O filho tem uma deficiência que lhe causa óbvios problemas de adaptação ao mundo. Mas, ao refletir sobre o filho, o pai reconhece suas menos explícitas dificuldades. A humanização do personagem principal se dá de forma gradual. Algo só pode existir na medida em que ele também se descobre incapaz, inadaptado. A deficiência de um expõe a do outro. Uma leitura que nos ressalta o como, de alguma forma, somos todos meio (ou muito) incapazes e inadaptados. E é essa perspectiva que faz de "O filho eterno" um livro profundamente humano.

29 de janeiro de 2008

Bandeiradas

"Normalmente é no banco de trás. O banco é rebatível, sabe? Fica feito uma cama. Mas, de vez em quando, na pressa, é aqui na frente mesmo. Nesse banco aí que você tá sentado."
"Ahã", devo ter dito, enquanto conferia de maneira exagerada e caricatural o estado do assento, do banco do carona.
"Aqui tá tudo limpinho, né, companheiro?", brinquei: "Pelo visto tá tudo seco..."
O sujeito pareceu gostar da brincadeira. Ficou mais à vontade para prosseguir no relato de suas aventuras sexuais no táxi.
"Ali atrás - fez, com uma ligeira virada de rosto, uma referência à mala do carro - tenho tudo que precisa. Lençol, travesseiro, camisinha..."
Mas, e a violência, os assaltos? Não seria complicado namorar no carro hoje em dia? Onde é que ele parava o táxi? Havia alguns locais. Mas o preferido era um depósito de material de construção, lá perto de sua casa, em Nova Iguaçu. Estacionava bem atrás de um monte de areia.
As, digamos, passageiras eram fixas?
Variava, eu deveria saber. A namorada mesmo não gostava tanto dos malabarismos no táxi. Cliente de carteirinha mesmo era a filha de uma vizinha, 16 aninhos de pura sacanagem. Mal podia ver o táxi passar pela rua.
"Só as duas?"Ele fez um ar de cansaço, de quem anda rodando mais do que o razoável. Aquele jeito de quem diz isso-aqui-ainda-acaba-comigo.
"Que nada. Parece até que elas adivinham, que fazem sinal de propósito. Fingem que querem o táxi, mas ficam mesmo de olho no kit que tem lá na mala."

27 de janeiro de 2008

Naicetomitiu


"O que quer dizer 'naicetomitiu'?". O motorista do táxi queria descobrir o que o gringo dissera para ele. Naicetomitiu.
"Ele, pelo visto, gostou do seu trabalho. É uma forma de agradecimento, uma maneira de dizer que ficou feliz em conhecê-lo."
"Ah, bom."
Pensou que fosse alguma sacanagem, língua de gringo, sabe como é que é. Fica tranqüilo, foi um elogio.
"Conheço algumas palavras em inglês. Thank you, good morning. Mas nunca tinha ouvido o naicetomitiu. Quer dizer que ele gostou do meu serviço?"
O taxista demonstrava não confiar muito no agradecimento do gringo nem na minha capacidade de traduzir o que ele dissera (neste ponto, sua dúvida fazia algum sentido).
"Já falei, amigo - disse enquanto pagava a corrida. - Foi um elogio. Você é um bom motorista."
"Tá bom, OK. Mas... (eu já tinha colocado meio corpo pra fora do táxi, mas havia uma outra questão, urgente, pelo visto, a ser resolvida) ...o que quer dizer rropetosiuagueim?"

25 de janeiro de 2008

Eu e o meme, o meme e eu

Recebi este meme do Marcelo Moutinho, que o recebera da Adriana Lisboa. Não sei muito bem o que é um meme, pelo jeito, é um questionário com nome diferente. Pior é que nem sei como passar esse trem adiante. Mas, vamos lá, vou tentar responder às perguntas.

1. O que você estava fazendo em 1978 (há 30 anos)?
Participava de um cineclube, estudava para o vestibular, era aluno do Colégio Metropolitano, no Méier - queria ser jornalista. Gostava muito das aulas de literatura, o professor era o Ivan Cavalcanti Proença. Torcia para o Botafogo quebrar o jejum de títulos.

2. E em 1983, há 25?
Trabalhava na sucursal Rio do "Estadão", onde estagiara por um ano. Fui contratado, se não me engano, em março. Em dezembro, aluguei um apartamento em Botafogo, na rua Sorocaba, e fui morar sozinho. Não exatamente sozinho: o apartamento, térreo, era visitado por milhares de baratas, o que deve ter contribuído para uma certa solidão - mulheres e suas implicâncias bobas. Torcia para o Botafogo quebrar o jejum de títulos.

3. O que você estava fazendo em 1988?
Era repórter da sucursal Rio da "Folha" - ou chefe de reportagem, sei lá. No apartamento de Vila Isabel, trocava fraldas de meu filho nascido no ano anterior, cantava sambas-enredos para ele dormir ("Os sertões" era o favorito, o moleque caia no sono ao som de "Os jagunços lutaram, até o final/Defendendo Canudos naquela guerra fatal"). Babava diante do meu primeiro filho; com auxílio de amigos, cuidava para fazer com que seu coração adotasse a estrela solitária que me conduz. Por falar nisso: torcia para o Botafogo quebrar o jejum de títulos.

4. E em 1993?
Morava na Tijuca, cuidava de meus dois filhos alvinegros (o mais novo tinha dois anos, também ouvia sambas-enredos para dormir enquanto eu babava diante dele). Era repórter especial da "Folha". Comemorava os diversos títulos do Botafogo.

5. O que estava fazendo há 10 anos?
Já trabalhava na Globo - se não me engano, tinha acabado de migrar para a redação do Fantástico, onde ficaria por oito anos. O primeiro casamento fora pro espaço, tinha voltado a morar sozinho - na Tijuca, Leblon e no Humaitá.

6. E há cinco?
Terminava meu segundo livro, estava no meio do segundo casamento, torcia para o Botafogo sair da segunda divisão.

24 de janeiro de 2008

Páginas amarelas (5) Anistia

Conversei ontem com um colega de redação sobre as fotos que mostram PMs saqueando um caminhão de entrega de cerveja. Ele fez um diagnóstico e uma proposta: do jeito que está a polícia do Rio, só há um jeito, começar tudo de novo. Sugeriu uma anistia para policiais infratores e um recomeço, que teria que ser acompanhado de uma reestruturação da PM - a criação de um outro patamar salarial seria mais do que recomendável. Na conversa, surgiu um consenso meio óbvio: a criminalidade só chegou ao atual estágio graças à colaboração e conivência de setores policiais. É o que explica a quantidade de armas e de munição à disposição dos bandidos. Uma anistia ampla - e que excluísse os casos de crimes contra a vida - talvez fosse interessante.

Lembrei de um texto que escrevi em 1996 e que foi publicado na "Folha". Hoje talvez ele pareça meio inocente, sei lá. Mas, diante da complexidade do problema, não custa - até como exercício - pensarmos em soluções mais originais . O investimento no aumento da repressão e no uso da violência policial tem sido recorrente nos últimos 20 e poucos anos. O resultado, todos conhecemos. Na época, falei em anistia para bandidos, talvez seja o caso de - como quer meu amigo - incluir os fardados no pacote.

Pacto da Rocinha

Folha de S.Paulo, 13/01/1996

Fernando Molica

RIO DE JANEIRO _ Mesmo os defensores da solução policial para o problema da violência admitem que a raiz da situação de conflito está plantada no solo das carências e desigualdades sociais.
Já há algum tempo, estudiosos da situação carioca detectaram que, em muitas favelas, o poder formal perdeu a batalha para outro _um poder real, de fato, exercido pelo tráfico de drogas e construído com base no medo e em uma espécie de senso difuso que identifica no Estado uma espécie de inimigo, uma entidade que só aparece por ali metido em uniforme de polícia.
Há alguns anos falava-se no Brasil em um pacto social, um acordo inspirado no Pacto de Moncloa (o que viabilizou a transição democrática na Espanha) e que permitiria à sociedade administrar as liberdades recém-conquistadas.
Bem ou mal, o Brasil institucionalizou-se. Esse processo deixou de fora, porém, milhões de pessoas. Muitas dessas, como os sem-terra, continuam dispostos a participar da brincadeira: para isso chegam a arranhar a legalidade, mas seu objetivo final é o de integração na sociedade.
Outros, como os jovens que vivem armados em favelas cariocas, já perderam essa expectativa de integração: seu horizonte institucional aponta apenas para a cadeia.
A reversão desse quadro exigiria atitudes mais corajosas. O pressuposto seria o Estado e a sociedade admitirem sua responsabilidade na criação das condições que permitiram a expansão da miséria e da violência.
Dessa constatação e da vontade de mudança surgiria uma espécie de ''Pacto da Rocinha'' _isso para citar uma das mais célebres favelas cariocas. Seria um acordo pelo qual o Estado, em seus diferentes níveis, se comprometeria a resgatar a tal dívida social, expressa hoje na falta de empregos, saneamento básico, escolas, transporte e atendimento médico.
Seria também necessário desarmar os grupos marginais. Para isso seria possível até pensar em uma solução que incluísse uma anistia em troca das armas. Anistia que viria acompanhada de oportunidades reais de integração social. É uma proposta arriscada, mas que, se bem-sucedida, proporcionaria ganhos para os dois lados. Seria, talvez, o início de uma sociedade mais justa e menos violenta.

22 de janeiro de 2008

Sassaricando 2050

O post sobre o inglório destino dos sambas derrotados rendeu aqui no blog uma discussão interessante, com apenas uma ou outra canelada. A Eugenia, uma das editoras da Agenda do Samba e Choro - http://www.samba-choro.com.br/ - , chegou a propor o lançamento de um CD com sambas não escolhidos pelos jurados. Eu não pedi tanto, apenas reivindiquei o direito de, vez por outra, cantar um ou outro samba escanteado. Mas sei que é uma luta meio inglória: sambas vencedores já não duram muito, imagine o ocorre com os defenestrados...

Sambas de bloco são, de um modo geral, muito ligados ao contexto em que foram compostos e não têm qualquer pretensão à imortalidade. Mas talvez por isso mesmo mereçam ser guardados. Sua irresponsabilidade e descompromisso se traduzem em leveza e num certo ar de testemunho de época. Na prática, ocupam hoje o lugar das marchinhas - quem viu "Sassaricando" percebeu como elas, em décadas passadas, cumpriam o papel da sátira, da brincadeira, da crônica. Mais do que um ótimo espetáculo sobre marchinhas, "Sassaricando" é sobre o Rio, de como cariocas aproveitavam o carnaval para falar, de maneira bem-humorada, da cidade e do país.

Esse papel hoje é cumprido pelos blocos e seus sambas, que escrevem nas ruas um quase roteiro de nossas alegrias e sacanagens. Mesmo uma eventual agressividade de uma ou outra letra não deixa de ser um certo reflexo de tempos como o nosso, em que a sutileza tende a perder embates de goleada.

Pelo que sei - e não sei muito -, apenas o Simpatia lançou, há alguns anos, um CD com seus sambas. Acho que alguma instituição - o Arquivo Geral da Cidade ou o MIS - poderia lançar um projeto para recolher, catalogar e mesmo gravar os sambas (tá bom, só os vencedores) que os cariocas têm cantado pelas ruas antes e durante o carnaval. Todos seriam disponibilizados na internet. Não deve sair caro, não precisa de muita burocracia nem de pagamento de direitos autorais. Acho que a Sebastiana - entidade que reúne os blocos da zona sul - toparia ingressar nessa tarefa. "Sassaricando" existe porque as marchinhas foram registradas e gravadas, o que permitiu o trabalho de pesquisa da Rosa Maria Araújo e do Sérgio Cabral. Acho que não custa nada tentar garantir hoje o "Sassaricando" de 2050.

21 de janeiro de 2008

Trabalhadores do samba

Nesta terça, Moacyr Luz leva seu Samba do Trabalhador para o Canecão. Programaço: quem já esteve no Renascença ou no Samba Luzia sabe.

20 de janeiro de 2008

Jornada no Engenhão

Zé Carlos comemora seu gol, o primeiro do jogo de sábado passado. O Botafogo venceu por 2 a 0.

Se algum dia virar editor de Esportes vou baixar uma norma na redação: pelo menos um repórter escalado para cobrir um jogo vai entrar no estádio como torcedor. Ou seja: terá que comprar ingresso (pago pelo jornal, claro), encarar fila, roleta, ameaça de briga de torcida; e será obrigado a ver o jogo da arquibancada. Explico: as naturais facilidades oferecidas aos jornalistas credenciados acabam fazendo com ele não olhe para os bastidores do espetáculo. E é aí que o bicho pega.

Neste sábado fui com meus filhos ao Engenhão ver o Botafogo ganhar do Resende. De cara, uma boa surpresa, que não vi publicada no jornal (tive que, vergonha!, ligar para um assessor de imprensa do time para conferir): o estacionamento do estádio poderia ser utilizado mediante o pagamento de R$ 10,00. Vale a pena. O lugar é amplo, seguro, a administração foi terceirizada: mas faltou dar uma varrida ali. A quantidade de poeira no chão é assustadora, havia uma nuvem de pó flutando no ar: o carro ficou todo sujo. Coitados dos caras que ficaram horas ali, trabalhando, devem estar tossindo até agora.

A entrada no estádio foi tranqüila (chegamos mais de uma hora antes do jogo), mas... A diretoria do Fogão decidiu separar o estádio por setores, cobrando preços diferenciados. Boa idéia. O problema é que falou divulgar um detalhe: ao contrário do que ocorre nas arquibancadas do Maracanã, o torcedor teria, obrigatoriamente, que entrar no estádio pelo portão correspondente ao seu setor. Lá dentro, descobrimos depois, não havia como trocar de lado. Pior: as roletas aceitavam bilhetes independentemente do setor - assim, quem comprou ingresso para, digamos, o setor sul (mais barato), poderia passar seu ingresso pela roleta do oeste (mais caro). E vice-versa. É claro que deu confusão. Dentro do estádio, muitos tentavam trocar de setor e esbarravam nos seguranças que, coitados, não tinham autoridade para resolver o problema. Mas isso, tenho certeza, será resolvido pela diretoria do Botafogo - o Bebeto de Freitas é, de longe, o melhor dirigente do futebol carioca e seus planos para o Engenhão são muito bons (ele promete anunciar novidades nesta segunda).

Ah, uma questão mais grave: foram colocadas placas de publicidade numa lateral e atrás dos gols. OK, é preciso faturar. O problema é que as tais placas impedem a visão da bola de quem estiver sentado nas primeiras filas das arquibancadas. Por "primeiras filas" entenda-se, no barato, as dez primeiras - estava lá de torcedor, não parei para contar, apurar matéria. Mas sei que tive que ir subindo, subindo, subindo até conseguir uma cadeira que me permitisse ver todo o jogo. Quem estava abaixo de mim não viu o drible espetacular que o Jorge Henrique deu no zagueiro do Resende e que resultou no segundo gol do Botafogo. É preciso encontrar uma solução melhor, talvez colocar as placas num local mais longe do campo - por que não naquela faixa até hoje ocupada pelos já anacrônicos símbolos do PAN? O torcedor que pagou o ingresso tem direito de ver o jogo todo.

Bem, no mais, o Castillo tem jeito de ser um goleiro sério e o Ferrero jogou por dois: por ele e pelo Renato Silva, o zagueiro que fumou a maconha mais potente do mundo. Até hoje parece jogar sob o efeito da dita cuja. O Triguinho esteve bem. O Zé Carlos e o Wellington Paulista fizeram gols na estréia oficial, e isso é muito bom.

17 de janeiro de 2008

Binhos

Outro dia citei aqui uma matéria da "Piauí" que trazia nomes de supostos vinhos portugueses. Achei a dita cuja no site da revista. É, na verdade, um cartum do Reinaldo. Muito bom, por sinal. Vejam só se os vinhos a seguir não fariam, numa adega, boa companhia ao "Monte dos Cabaços".

Cova da Buça, Quinta das Culhoneiras, Nnhenhenha de Trás-os-Fanhos, Adega do Borzeguim Fanchão, Herdade Lariquinha de Chincheiral e Peúgas de Aldrabão.

16 de janeiro de 2008

Os sambas que não devem morrer

Na foto, que peguei no blog do Moutinho, o momento em que defendíamos nosso samba, lá no palco do Odisséia

Há mais de dez carnavais que, volta e meia, acabo participando da disputa de sambas de blocos cariocas - em especial, do Imprensa que eu Gamo, fundado e tocado por jornalistas. Já paguei incontáveis micos, coleciono algumas derrotas e duas memoráveis vitórias - ambas, no Imprensa. Na madrugada desta terça, eu e meus parceiros Marcelo Moutinho e Gabriel Cavalcante, o Gabriel da Muda, perdemos a disputa no Imprensa, ficamos em segundo lugar, um placar apertado, três votos pra lá, dois pra cá.

Perder nunca é bom, ainda mais quando achamos que nosso, vá lá, produto, é o melhor, como foi o caso. Um dos autores do samba vencedor escreveu em seu blog que queria, com ele, "chocar a sociedade" - nós, mais modestos, desejávamos apenas ajudar a divertir uma pequena parte dela, aqueles malucos que saem pulando duas semanas antes do Carnaval pelas ruas de Laranjeiras.

Perdemos, perdemos, é do jogo, nada a reclamar. Mas as derrotas em disputas de samba trazem uma questão adicional. Por uma espécie de convenção, uma lógica de respeito ao vencedor, samba derrotado é inapelavelmente condenado a morrer. É uma espécie de aborto ou de morte pós-parto. Pelo que lembro, há apenas uma grande exceção à regra, o "Estrela de Madureira", de Acyr Cardoso e Pimentel, que, derrotado na disputa pelo samba do Império Serrano de 1975, continua a ser tocado em praticamente todas as rodas da cidade. O vencedor ("Baleiro-bala/Grita o menino assim"), quase não é lembrado.

Um livro pode vender pouco, um filme pode ser ignorado pela crítica e pelo público - mas ambos, de alguma forma, cumprem seu percurso. São lançados, exibidos e lido/vistos por um determinado número de pessoas. Nascem, vivem - e ficam ali, devidamente catalogados ou arquivados, preservados em algum modesto cantinho da história e, quiçá, da eternidade. Já o samba abortado, não. Por melhor que eventualmente seja, sobrevive, se tanto, por alguns anos na cabeça de seus autores. Não que haja assim tantas obras-primas entre esse tipo de samba - normalmente são muito ligados à realidade imediata, o que reduz um pouco alguma possibilidade de vida eterna, amém. Mas, caramba, foram todos compostos com dedicação, carinho e algum talento. Esse destino do samba que, se não ganhar, vai se perder, contribuiu para a minha não cumprida promessa de parar de me meter nessa doideira.

E é em protesto contra esta morte prematura, e sem qualquer disposição de levantar polêmica com a decisão da direção do bloco, que jogo aqui arquivos com letra e música do samba que eu, Moutinho e Gabriel compusemos para o Imprensa em 2008. O arquivo sonoro é precário, registrado logo depois que demos a nota final ao samba. Mas vale para a história. Espero que vocês se divirtam.

Obs: não consegui colocar o áudio aqui no blog. Vou tentar mais tarde. Por enquanto, vai a letra.

O CIRCO DA TROPA
Gabriel Cavalcante / Fernando Molica / Marcelo Moutinho

O mosquito picou o presidente
E o nosso Lula amarelou
Tomou bronca do Hugo Chavez
Foi-se o gás do Evo Morales
E no Senado, o tempo fechou

O “seu” Renan
Esqueceu da camisinha
Imprensou de qualquer jeito
E gamou na coleguinha

Relaxa e goza, meu amor
Por que não se cala e me beija?
Sem avião pra viajar BIS
No Imprensa eu vou embarcar

Zé Dirceu tá de telhado novo
Eu já tô careca de saber:
Pra virar circo, só falta a lona
Brasília ou Rio, é a mesma zona

Ô César Maia... pede pra sair!
Quebra esse galho, meu São Sebastião BIS
Quero um prefeito que não seja fanfarrão!

14 de janeiro de 2008

Cabaços aos montes

Há alguns meses, a "Piauí" publicou um artigo de humor com supostos - e engraçadíssimos - nomes de vinhos portugueses. Uma pândega. Mas, acreditem, o vinho de que trato neste post existe, é até bem cotado no mercado. E, incrível!, é facilmente encontrável nas boas casas do ramo. Há quem o considerasse quase extinto, mas no entanto, cá está ele, pronto para ser consumido, sem culpa e sem esforço. O mais que tradicional "Monte dos Cabaços":



E não é só: o tal vinho é produzido por uma orgulhosa e - apesar de quem possa sugerir o contrário - bonita proprietária de uma tradicional quinta alentejana. A senhora Margarida Cabaço. Uma raridade, pois (ainda mais pela idade, já deve ter passado dos 40, mole). E o blog, que não pode deixar de ter algum compromisso jornalístico, apresenta a todos a foto de Dona Cabaço - ou seja, a partir de agora, ninguém poderá dizer que não liga o nome à pessoa. O senhor ao lado dela na foto deve ser o insistente e paciente maridão (paciência, sabemos todos, é algo importante na produção de vinhos). Como podem notar, o casal não tem filhos - pelo menos, eles não estão na foto.



Ah, importante, os Cabaços podem ser visitados. Confiram em http://dn.sapo.pt/2004/12/21/boa_vida/um_monte_alentejano_para_descobrir_p.html. Neste link vocês poderão encontrar detalhes para hospedagem na propriedade, aberta (quem diria...) ao turismo. Deve ser divertido, por alguns poucos dias, pelo menos. Depois deve ficar meio chato - os Cabaços não devem ser anfitriões muito, digamos, animados. Consta que são meio fechados, resistentes às investidas de estranhos, não gostam daquele entra-e-sai.

11 de janeiro de 2008

O furo do Tartaglia (com todo o respeito)

Num post abaixo eu disse que corria para ser o primeiro a destacar como o Gabriel da Muda canta bem. Descobri tardiamente que fui furado pelo grande Cesar Tartaglia (confiram em http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/frontdorio/post.asp?t=habemus_cantor&cod_Post=83479&a=5 . Nenhum problema, muito pelo contrário. Mesmo no mundo virtual é preciso respeitar o vale o escrito.

9 de janeiro de 2008

Overdose de notícias

De tédio é que jornalista não morre aqui no Rio. Na semana passada eu estava na entrada da ilha do Fundão entrevistando uma baleada no réveillon de Copacabana quando um sujeito passou por mim e avisou que uns duzentos metros ali na frente, na entrada do campus da UFRJ, um homem havia sido atropelado - e o socorro estava demorando a chegar. Terminada a entrevista, passamos por lá, a ambulância estava recolhendo a vítima, ainda deu pra fazer algumas imagens. Logo depois seguimos para a praia de Copacabana, para completar a matéria sobre os tiros que mancharam a virada do ano na cidade. Por volta das 21h, estávamos na areia, ao lado do palco dos shows, quando passou um casal vindo da direção do mar: a mulher chorava, queria encontrar um PM; eles, turistas vindos de Juiz de Fora, tinham acabado de ser assaltados. Saí da redação para fazer uma reportagem, esbarrei em outras duas.
Ontem fui fazer matéria sobre uma bala que, perdida, achou por bem cair num apartamento no Alto Leblon. Enquanto estava lá, soube de outra notícia: uma segunda bala sem direção tinha quebrado a janela de um apartamento em Copacabana. A reportagem ganhou importância, seria sobre duas balas perdidas na zona sul do Rio. Corremos pra lá. No caminho, já em Copa, tropeçamos em outro fato. Paramos o carro para perguntar a um guarda municipal a localização da rua em que ficava o prédio atingido pelo tiro. Mas antes mesmo de fazermos qualquer pergunta, o guarda olhou o carro de reportagem e foi avisando: "É na Ronald de Carvalho!" Como assim? Nosso destino era outro: "O senhor sabe onde fica a rua tal?" Ele sabia. Em seguida, perguntamos o que tinha acontecido na Ronald de Carvalho. "Tá cheio de polícia lá, invadiram um frigorífico que tem carne roubada, uma confusão danada. É bom vocês irem até lá", aconselhou. A história não era bem essa, mas havia mesmo outra notícia esperando para ser reportada.

Pra não dizer que só falei do Rio: na semana passada li, na coluna do José Sarney, na Folha, uma informação que não li, vi ou ouvi em nenhum outro lugar: segundo o ex-presidente, 34 pessoas foram mortas na passagem do ano em Salvador. Por que isso não foi noticiado nacionalmente, hein? Será que o repórter Sarney errou?

8 de janeiro de 2008

Brasil, cansamos?

Será que nos cansamos do Brasil? Dia desses, conversando com o Antônio Torres sobre as, de um modo geral, baixas vendagens de livros brasileiros de ficção, ele, meio irritado com ôba-ôba em torno de Cabul, disse algo bem interessante: o Brasil estaria deixando de ocupar o imaginário dos brasileiros. Ou seja, estaríamos pouco dispostos a sonhar com o que nos cerca. Seríamos assim capazes de nos transportamos para a Turquia, para a Índia, para o Afeganistão, para outros territórios remotos que escondem segredos guardados por gente de nome esquisito. Mas estaríamos meio refratários à idéia de compartilhar dramas, sonhos e desejos com Josés, Marias, e, numa concessão aos novos tempos, Dayannes e Jeffersons. É um fenômeno curioso, já que livros sobre aspectos da história do país se revezam nas listas de mais vendidos.

Nos últimos 50 anos, o Brasil passou por vários momentos de “agora vai”: governos JK e Jango, o tal do milagre brasileiro forjado na ditadura, a luta contra a própria ditadura, a expectativa pelos dias melhores que viriam com a redemocratização, as eleições para governadores, as diretas já, a constituinte, a eleição do presidente, os governos FHC e Lula. Alguma coisa disso teria que ter dado certo, né? Mesmo durante a ditadura havia a perspectiva de uma grande melhora do país, sonhávamos com isso, acreditávamos nisso. E talvez isso nos fizesse mais interessados no Brasil, nos seus destinos, nos seus escritores, nos universos que eles criavam. Livros de autores como Rubem Fonseca, Ignácio de Loyola Brandão, Márcio Souza, Antonio Callado e Antônio Torres eram de leitura quase obrigatória - lançado em 1976, o “Essa terra”, do Torres, vendeu muito logo de cara, está na 15ª edição! Será que chegaria a tanto se fosse publicado hoje?

De certa forma, dava gosto sonhar com o Brasil. Hoje, sei não. O país melhorou, claro, mas muito menos do que imaginávamos. Quase no fim na da primeira década do século 21 ainda discutimos questões básicas, como ensino público de qualidade. Ficamos meio naquela história medíocre da “utopia possível” sintetizada pelo FHC – que, tempos depois, diria que “o Brasil é isso mesmo”. Isso justifica até mesmo a transformação do PT num grande PMDB. O que que isso tem a ver com literatura? Pode ter a ver. Cansado de esperar o tal dia que nunca chega, o leitor pode ter decidido sonhar com mundos mais interessantes e fascinantes, e tome Cabul. E aí é que nos ferramos, autores ou não. As pessoas, mais do que pouco interessadas na literatura brasileira, estariam desinteressadas do Brasil, não necessariamente do país real, palpável, mas daquele que as poderia encantar.

Em tempo: segundo a Ilustrada deste domingo, “O caçador de pipas”, lançado no Brasil em 2005, já vendeu 1,6 milhão de exemplares por aqui. “Cidade do sol”, outro livro do Khaled Hossein, já está nas estantes de 550 mil brasileiros.