2 de janeiro de 2008

Dicró


Trabalhar no dia 31 de dezembro não é exatamente um prazer. Fazer matéria, debaixo de sol - e que sol! - no Piscinão de Ramos, não chega a ser algo que peçamos a Papai Noel. Mas é do jogo. E acredite: pode ser divertido. Isso quando se tem o prazer de entrevistar o Dicró, grande sambista, expoente do que há alguns anos se chamava de sambandido. O cara é muito engraçado. Capaz de, em menos de cinco minutos, despejar algumas pérolas para o repórter encharcado de suor. Ele discorria sobre as maravilhas do réveillon à beira-piscinão - e elencou as vantagens da festa em relação àquelas que ocorreriam do lado de lá do túnel:


1. "No piscinão não entra mulher com celulite."

2. "O melhor da festa vai ser a minha sogra fazendo striptease."

3. "Vou cantar até de manhã... se a polícia não chegar. Mas, tá tudo certo, tá tudo no arreglo, não vai ter problema não."

4. "Vou cantar em vários idiomas, em inglês, francês, alemão. Aqui vem muito turista, até porque é mais perto do aeroporto internacional."


Depois de soltar as frases, ele cantou um trecho de um de seus sucessos, a "Melô da galinha", de Pedrinho da Flor.

Você sai de casa igual a uma bonequinha
Toda alinhada, maquiada, cheirosinha...
Mas lá na esquina o povo sempre diz que você é galinha
Você não tem bico, não tem pena, não tem asa
Não entendo nada por isso fico na minha
Só sei que na esquina o povo diz que você é galinha


Não é lá muito politicamente correto. Mas é engraçado pacas. O clipe da música está em http://www.youtube.com/watch?v=r06WDju36hU .

Liberdade para a menina C.!


Para não cometer nenhuma infração ao Estatuto da Criança e do Adolescente, vou omitir o nome da menina que inspira esta crônica. Menina que se impõe - aos berros - ao texto. Explico: a C. é minha vizinha, mora num prédio ao lado do meu, deve ter uns 5/6 anos de idade. E, desde que era um bebê, chora e grita muito. Por problemas acústicos, tudo o que é sussurrado em seu apartamento é ouvido aqui em casa. Imagine o que acontece quando se grita por lá. E olha que se grita muito. Tanto que me vi obrigado a comprar um aparelho de ar-condicionado para o meu escritório. Sem ele, sem fechar as janelas, jamais conseguiria ter escrito o "O homem que morreu três vezes" - o relato das aventuras do meu curioso personagem naufragaria diante dos gritos da C. e, principalmente, dos berros de sua mãe.
A mãe, o X da questão. A mãe da menina grita o tempo todo com ela - desde que a C. era bebê. E tome de "C. não faz isso!", "C. sai daí!", "Pára com isso C.!", "C. você me enlouquece!", "Já pro castigo, C.!". Já pensei em sair grudando nos postes e nos muros da rua cartazes pedindo liberdade para C. A mãe dela deve ser veterana do Desipe, ex-carcereira, sei lá. A mulher enche o saco da filha, o tempo todo. Nunca a ouvi propor algo como uma ida ao parquinho, à praia, ao cinema. Nada de chamá-la para tomar um sorvete, um suco ali na esquina. A mulher só reclama. E a filha, claro, aprendeu a conviver com os gritos e - céus! - a reproduzi-los. A C. também só fala aos berros, e que voz potente tem a menina! Uma berra daqui, a outra responde dali. E tome birra, choros, esganiços. A compra, no Natal, de uma piscininha de plástico, acabou com o que restava de calma por aqui. Dava pra acompanhar, pelos diálogos, toda a movimentação na casa, as evoluções aquáticas da criança: o apartamento delas tem uma área externa, local de confraternização familiar e de sonoros e eventuais churrascos.
Bem, espero que em 2008 a mãe de C. encontre aquela paz tão citada nos votos de felicidades para os anos vindouros, que tenha um pouco mais de tranqüilidade nas suas relações com o mundo e, principalmente, com a filha. Que aprenda que não é necessário berrar o tempo inteiro. Talvez, neste silêncio, consiga descobrir virtudes na filha, tenha mais prazer na convivência com ela. E, quem sabe?, possa sacar como é bom poder desfrutar da companhia de um filho. Torço para ouvi-la convidar a filha para algo que não seja uma ida ao castigo. Vai ser bom para ela, para a C., para seus vizinhos.