24 de janeiro de 2008

Páginas amarelas (5) Anistia

Conversei ontem com um colega de redação sobre as fotos que mostram PMs saqueando um caminhão de entrega de cerveja. Ele fez um diagnóstico e uma proposta: do jeito que está a polícia do Rio, só há um jeito, começar tudo de novo. Sugeriu uma anistia para policiais infratores e um recomeço, que teria que ser acompanhado de uma reestruturação da PM - a criação de um outro patamar salarial seria mais do que recomendável. Na conversa, surgiu um consenso meio óbvio: a criminalidade só chegou ao atual estágio graças à colaboração e conivência de setores policiais. É o que explica a quantidade de armas e de munição à disposição dos bandidos. Uma anistia ampla - e que excluísse os casos de crimes contra a vida - talvez fosse interessante.

Lembrei de um texto que escrevi em 1996 e que foi publicado na "Folha". Hoje talvez ele pareça meio inocente, sei lá. Mas, diante da complexidade do problema, não custa - até como exercício - pensarmos em soluções mais originais . O investimento no aumento da repressão e no uso da violência policial tem sido recorrente nos últimos 20 e poucos anos. O resultado, todos conhecemos. Na época, falei em anistia para bandidos, talvez seja o caso de - como quer meu amigo - incluir os fardados no pacote.

Pacto da Rocinha

Folha de S.Paulo, 13/01/1996

Fernando Molica

RIO DE JANEIRO _ Mesmo os defensores da solução policial para o problema da violência admitem que a raiz da situação de conflito está plantada no solo das carências e desigualdades sociais.
Já há algum tempo, estudiosos da situação carioca detectaram que, em muitas favelas, o poder formal perdeu a batalha para outro _um poder real, de fato, exercido pelo tráfico de drogas e construído com base no medo e em uma espécie de senso difuso que identifica no Estado uma espécie de inimigo, uma entidade que só aparece por ali metido em uniforme de polícia.
Há alguns anos falava-se no Brasil em um pacto social, um acordo inspirado no Pacto de Moncloa (o que viabilizou a transição democrática na Espanha) e que permitiria à sociedade administrar as liberdades recém-conquistadas.
Bem ou mal, o Brasil institucionalizou-se. Esse processo deixou de fora, porém, milhões de pessoas. Muitas dessas, como os sem-terra, continuam dispostos a participar da brincadeira: para isso chegam a arranhar a legalidade, mas seu objetivo final é o de integração na sociedade.
Outros, como os jovens que vivem armados em favelas cariocas, já perderam essa expectativa de integração: seu horizonte institucional aponta apenas para a cadeia.
A reversão desse quadro exigiria atitudes mais corajosas. O pressuposto seria o Estado e a sociedade admitirem sua responsabilidade na criação das condições que permitiram a expansão da miséria e da violência.
Dessa constatação e da vontade de mudança surgiria uma espécie de ''Pacto da Rocinha'' _isso para citar uma das mais célebres favelas cariocas. Seria um acordo pelo qual o Estado, em seus diferentes níveis, se comprometeria a resgatar a tal dívida social, expressa hoje na falta de empregos, saneamento básico, escolas, transporte e atendimento médico.
Seria também necessário desarmar os grupos marginais. Para isso seria possível até pensar em uma solução que incluísse uma anistia em troca das armas. Anistia que viria acompanhada de oportunidades reais de integração social. É uma proposta arriscada, mas que, se bem-sucedida, proporcionaria ganhos para os dois lados. Seria, talvez, o início de uma sociedade mais justa e menos violenta.