30 de junho de 2006
Los Hermanos
Até que tentei torcer contra a Alemanha - o que implicava em torcer pela Argentina. Achava, e acho, que seria mais fácil derrotar os vizinhos numa eventual final. Até que, no segundo tempo, o ótimo Maxi Rodríguez resolveu mostrar a força da vocação argentina: simulou uma falta, se jogou no gramado, tudo para ganhar tempo e tentar impedir uma reação alemã. A velha e irritante catimba argentina. Os caras não se convencem que têm futebol suficiente para ganhar sem apelar para esse recurso. Bem-feito, tomaram um gol, perderam nos pênaltis. Comemorei cada gol alemão.
29 de junho de 2006
A perfeição é amarela
Caros jogadores da seleção brasileira. Acho que a essa hora vocês devem estar se perguntando algo como “caramba, quatro jogos, quatro vitórias, recordes coletivos e pessoais batidos, e os caras ainda reclamam?” Pois é, nós ainda reclamamos – eu mesmo tenho xingado alguns de vocês. Creio não ser o caso de pedir desculpas pelo destempero, pelo excesso de exigência: jogar bem, dar espetáculo, não falhar, e, claro, ganhar sempre e conquistar o hexa. Talvez seja melhor tentar entender o que nos faz assim.
Com nossos clubes de coração não somos tão exigentes. De alguma forma aprendemos a absorver algumas das características de nossos times, a considerar como nossas qualidades e, vá lá, alguns defeitos dessa nossa paixão primordial, a única que não pode ser trocada, que admite todo o tipo de desfeita e traição – o amor por um clube é eterno e sempre dura. Como escreveu Paulo Mendes Campos: “Nos meus torneios, quando mais preciso manter os números do placar, bobeio num lance, faço gol contra, comprometo, tal qual o Botafogo, uma difícil campanha”. É ele também que diz: “O Botafogo, às vezes, se maltrata, como eu; o Botafogo é meio boêmio, como eu;(...) o Botafogo é mais surpreendente do que conseqüente, como eu (...)”.
Há quase dez anos a jornalista Cláudia Mattos lançou “Cem anos de paixão”, livro em que tenta rastrear o que há por trás das relações entre os quatro principais times cariocas e suas torcidas. Acabou fazendo um livro sobre o Rio, tamanha a identificação entre a cidade, seus clubes e seus apaixonados torcedores. De alguma forma, todos somos ou achamos que somos parecidos com nossos clubes, para o bem e para o mal.
Mas com a seleção é diferente. Com a seleção, nossa relação é outra. Com os clubes, somos o que somos, com a seleção, somos aquilo que desejamos ser: bonitos, elegantes, eficentes, eternamente vencedores. O time é como um amor cotidiano, apaixonado, mas com cara de dia-a-dia. Daqueles que admitem uma ausência, uma falha, uma camisa meio desbotada, uma barriguinha, uma celulite, uma noite de amor assim-assim. De vez quando, um dia dos namorados, um aniversário, rola um jogo especial, um jantar com vinho, uma viagem, uma decisão de campeonato (gloriosa, mesmo que contra o Madureira). Seleção é diferente. Seleção, ainda mais em Copa do Mundo, é sempre dia de festa, de roupas novas, Copacabana Palace, corpo malhado, performances impecáveis em noites cheias de gols de placa.
No clube, erguemos as mãos aos céus para agradecer o amor que sabemos merecer – ainda que o goleiro seja meio frangueiro; a zaga, inconfiável; o meio-campo, pouco criativo; o ataque, sonolento. No Maracanã de cada dia, admitimos o gol de canela, o chutão, não nos envergonhamos do erro do juiz que nos ajuda. Sabemos que seria impossível cobrar perfeição de nossos times, de nós mesmos. Perfeição não é para todo dia, só acontece de vez em quando; para ser exato, de quatro em quatro anos. É quando temos chance de reafirmar que somos os melhores. Na seleção não cabe todo mundo, não é para qualquer um: nenhum jogador do Rio foi convocado mas torcida alguma reclamou, sabemos das nossas limitações. Nesse nosso olimpo canarinho, os deuses têm que ser perfeitos. Na seleção, fazemos restrição a gol de bico – mesmo que ele seja salvador, como o do Ronaldo, na Copa passada, contra a Turquia. Na seleção não se pode dar cotovelada, Leonardo; não se perde pênalti, Zico. A condenação à falha pode ser perpétua, como a que experimentou Barbosa.
Então, meus caros, entendam que não é bem de vocês que estamos cobrando tanto. Estamos cobrando de nós mesmos, uma cobrança cruel, absurda, irracional, que nos levaria ao suicídio coletivo caso exigida no cotidiano. Por favor, compreendam: vocês, queiram ou não queiram, são o que temos e somos de melhor. E não fica bem, Ronaldo, aparecer em público com aquela barriga; não dá, Roberto Carlos, para mandar a bola para a arquibanca; é ridículo errar o drible e simular pênalti, Adriano; Ronaldinho, você tem que ser genial sempre; Cafu, não é admissível envelhecer. É desumano pedir tanto? É claro que é. Por isso que a gente só pede de quatro em quatro anos, quando todos ficamos infalíveis, bonitos, imbatíveis; é por isso nunca ficamos satisfeitos. Nosso desejo de perfeição veste amarelo.
Com nossos clubes de coração não somos tão exigentes. De alguma forma aprendemos a absorver algumas das características de nossos times, a considerar como nossas qualidades e, vá lá, alguns defeitos dessa nossa paixão primordial, a única que não pode ser trocada, que admite todo o tipo de desfeita e traição – o amor por um clube é eterno e sempre dura. Como escreveu Paulo Mendes Campos: “Nos meus torneios, quando mais preciso manter os números do placar, bobeio num lance, faço gol contra, comprometo, tal qual o Botafogo, uma difícil campanha”. É ele também que diz: “O Botafogo, às vezes, se maltrata, como eu; o Botafogo é meio boêmio, como eu;(...) o Botafogo é mais surpreendente do que conseqüente, como eu (...)”.
Há quase dez anos a jornalista Cláudia Mattos lançou “Cem anos de paixão”, livro em que tenta rastrear o que há por trás das relações entre os quatro principais times cariocas e suas torcidas. Acabou fazendo um livro sobre o Rio, tamanha a identificação entre a cidade, seus clubes e seus apaixonados torcedores. De alguma forma, todos somos ou achamos que somos parecidos com nossos clubes, para o bem e para o mal.
Mas com a seleção é diferente. Com a seleção, nossa relação é outra. Com os clubes, somos o que somos, com a seleção, somos aquilo que desejamos ser: bonitos, elegantes, eficentes, eternamente vencedores. O time é como um amor cotidiano, apaixonado, mas com cara de dia-a-dia. Daqueles que admitem uma ausência, uma falha, uma camisa meio desbotada, uma barriguinha, uma celulite, uma noite de amor assim-assim. De vez quando, um dia dos namorados, um aniversário, rola um jogo especial, um jantar com vinho, uma viagem, uma decisão de campeonato (gloriosa, mesmo que contra o Madureira). Seleção é diferente. Seleção, ainda mais em Copa do Mundo, é sempre dia de festa, de roupas novas, Copacabana Palace, corpo malhado, performances impecáveis em noites cheias de gols de placa.
No clube, erguemos as mãos aos céus para agradecer o amor que sabemos merecer – ainda que o goleiro seja meio frangueiro; a zaga, inconfiável; o meio-campo, pouco criativo; o ataque, sonolento. No Maracanã de cada dia, admitimos o gol de canela, o chutão, não nos envergonhamos do erro do juiz que nos ajuda. Sabemos que seria impossível cobrar perfeição de nossos times, de nós mesmos. Perfeição não é para todo dia, só acontece de vez em quando; para ser exato, de quatro em quatro anos. É quando temos chance de reafirmar que somos os melhores. Na seleção não cabe todo mundo, não é para qualquer um: nenhum jogador do Rio foi convocado mas torcida alguma reclamou, sabemos das nossas limitações. Nesse nosso olimpo canarinho, os deuses têm que ser perfeitos. Na seleção, fazemos restrição a gol de bico – mesmo que ele seja salvador, como o do Ronaldo, na Copa passada, contra a Turquia. Na seleção não se pode dar cotovelada, Leonardo; não se perde pênalti, Zico. A condenação à falha pode ser perpétua, como a que experimentou Barbosa.
Então, meus caros, entendam que não é bem de vocês que estamos cobrando tanto. Estamos cobrando de nós mesmos, uma cobrança cruel, absurda, irracional, que nos levaria ao suicídio coletivo caso exigida no cotidiano. Por favor, compreendam: vocês, queiram ou não queiram, são o que temos e somos de melhor. E não fica bem, Ronaldo, aparecer em público com aquela barriga; não dá, Roberto Carlos, para mandar a bola para a arquibanca; é ridículo errar o drible e simular pênalti, Adriano; Ronaldinho, você tem que ser genial sempre; Cafu, não é admissível envelhecer. É desumano pedir tanto? É claro que é. Por isso que a gente só pede de quatro em quatro anos, quando todos ficamos infalíveis, bonitos, imbatíveis; é por isso nunca ficamos satisfeitos. Nosso desejo de perfeição veste amarelo.
22 de junho de 2006
Coisas da vida, Zico
Leio no blog do Tiago Petrik - www.nominimo.com.br - que o Zico, em uma conversa com ele, reclamou de tudo ao justificar a até aqui lamentável campanha do seu time: falou dos juízes, da falta de 'camisa' do Japão, do horário do jogos, da Fifa (não se referiu ao excesso de pólen no ar alemão, deve ter guardado isso para a próxima entrevista). Com todo o respeito pelo ex-jogador: a vida é assim, meio injusta. Por isso que gostamos tanto de futebol, um esporte em que nem sempre o melhor vence. As zebras ocorrem muito mais no futebol do que em outros esportes; na vida também é assim. Chororô pega mal, principalmente para um cara que teve uma carreira vitoriosa, pelo menos naquele time da Gávea. Nem sempre juízes erram de forma consciente, proposital. Eles também erram por errar, como jogadores de futebol, como médicos, como jornalistas. Insinuar que a Fifa não tem interesse no mercado japonês é risível. Em 78, 82 e 86 todos torcemos para o Zico repetir na seleção o futebol que jogava com a camisa rubro-negra. Ele teve alguns bons momentos em 82 e, mesmo, em 86 (aquele belíssimo passe para o Branco, no jogo contra a França). Mas não foi o Zico que esperávamos ver. É da vida: Fontana, Dario e Gilmar (terceiro goleiro em 94) foram campeões do mundo; Zizinho, Zico e Falcão, não. E vida que segue, como diria o botafoguense João Saldanha - o mesmo que afirmava: quem reclama, já perdeu.
16 de junho de 2006
Ninguém merece (2)
Ainda sobre pressões: o Pelé foi e é mais sábio. Sempre demonstrou que nunca acreditou muito nessa história de ser o Pelé. Separava Édson de Pelé e, até hoje, se refere a este na terceira pessoa. O Pelé era o outro. Ninguém - ele sabia e sabe - poderia carregar o peso de ser Pelé. O cara é rei, até por isso.
Saravá!
O físico arredondado, a cara gorducha, aqueles balangandãs no pescoço... O Maradona não tá a cara de pai-de-santo de subúrbio?
Ninguém merece
Ronaldo disse que ninguém merece tanta pressão, uma pressão que classificou de enorme. Com todo o respeito, carinho a admiração pelo maior jogador da Copa de 2002: como assim? Ele não é ninguém, um reles ponta-esquerda de um time de subúrbio. Ele é o cara, o Fenômeno, já eleito o melhor do mundo, arrendatário dos passes de algumas das mais desejadas mulheres do planeta, dono de uma conta bancária que só faz crescer. Será que ele achava que tudo isso viria de graça, sem pressão? Como dizia o velho Fernando Bueno, ex-fotógrafo da sucursal do Estadão no Rio: há bônus e ônus. No caso do Bueno, estes costumavam vencer aqueles de goleada; já no caso do Ronaldo, acredito que a ordem seja inversa. Nosso atacante já deu provas de talento e de superação, aquela história do joelho partido e a consagração na final da Copa é quase inacreditável, parece roteiro de filme bobo americano. Mas aconteceu, né? Ronaldo, pelo visto, passou a acreditar demais nos sonhos midiáticos vendidos para quem, nos estádios, fica apenas nas arquibancadas. Acreditou tanto neles que não notou que a barriga crescera, que a velocidade diminuíra. Barrigas só não crescem nos super-heróis dos filmes, dos quadrinhos. Nós, do lado de cá, até podemos acreditar nesses heróis; vocês, protagonistas, não. Se vocês falham, a gente pode trocar de herói, já vocês se arriscam a trocar de papel: sai o Super-Homem, entra o barrigudo patético e decadente de "Os Incríveis".
9 de junho de 2006
A grande Copa
A festa da abertura da Copa estava assim meio assim-assim. Meio brega demais, um pouco com cara de oktoberfest. Negócio meio chinfrim, bom para reforçar o estereótipo que opõe alemães e festa. Até que começou o desfile dos ex-campeões do mundo: Jairzinho, Paulo César, Bellini, Roberto Miranda, Félix - feliz, feliz, em cadeira de rodas -, Clodoaldo. Melhor, e para sempre: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino. Cito, claro, de memória, já tinha nove anos na Copa de 70, a maior de todas. Minha primeira Copa, meu primeiro campeonato do mundo (com um time cheio de botafoguenses). Minha infância desfilou hoje em Munique, foi bonito pacas.
6 de junho de 2006
Vento suburbano
A perda dos referenciais de uma cidade talvez seja uma das conseqüências mais terríveis da evolução dos tempos. Uma sorveteria que se foi, uma praça que não existe mais, o frapê de coco do finado Simpatia que até hoje provoca suspiros no Joaquim Ferreira dos Santos. São esses marcos - alguns muito delicados, como o vento que corre entre os pilotis do prédio do MEC - que nos dão uma sensação de intimidade e de segurança: a certeza de poder marcar um encontro na estátua do Bellini sabendo que a estátua do Bellini vai estar ali. São esses marcos, muitas vezes únicos, pessoais, intransferíveis, que fazem com que consideremos uma cidade como nossa. No sábado passado tomei fôlego para uma incursão que deveria ser banal, o aniversário de uma prima me levou a uma região do subúrbio carioca muito próxima àquela em que nasci e me criei. Fui cedo com a promessa de não sair tarde, meu deadline seria às 21h. Na ida e na volta passei por ruas e avenidas conhecidas desde que me entendo por gente: Suburbana, 24 de Maio, José Bonifácio, Marechal Rondon. Endereços que, nas noites de hoje, chegam como ameaça - assaltos, tiros, mortes. As ruas estão lá, algumas referências - as estações de trem, o viaduto do Méier, a prima, as tias - também. Mas o vento que agora sopra por ali é outro. Ameaça e constrange alguém que sente medo em circular por uma região em que cresceu. É quase um sentimento de traição, como uma negação ao que se é; algo que chega a envergonhar. Sozinho no carro, respirei aliviado apenas por volta das 21h30, quando cheguei à praça da Bandeira, faltava só atravessar o elevado (onde, há uns quatro meses, testemunhei um assalto) e o túnel. Fantasmas vencidos, estava em casa. No dia seguinte, vi a notícia do assassinato do Rodrigo Netto, dos Detonautas. Morador da Fonte da Saudade (quase vizinho), fora à Cascadura visitar uma tia (quase vizinha às minhas tias). Ficou pelo caminho, na Marechal Rondon, aquela mesma que eu, menos de 24 horas antes, cruzara preocupado, com o pé fazendo peso no acelerador e os olhos atentos para a chegada de um possível inimigo.
2 de junho de 2006
Tim Lopes
Hoje faz quatro anos que o Tim foi assassinado numa dessas nossas ribanceiras/nação (não dá para, mais uma vez, deixar de citar o Chico). E tome Chico: fogueira desvairada, cidadãos inteiramente loucos, bandeiras sem explicação, fronteiras, munição pesada. Na segunda-feira, menos de 24 horas depois do assassinato, um amigo comum, o Frei David, me contou: nosso irmãozinho foi morto. Fora descoberto, preso, torturado, queimado. O assassinato do Tim foi também um golpe mortal - mais um, esse poço parece não ter fundo - na possibilidade de construção de uma cidade. Antes, e acima de tudo, o Tim acreditava em pontes, em ligações entre nossas cidades partidas. Ele personificava esta ponte, bem recebido que era em favelas e em Ipanema, cheio de amigos e de - ex!, ex! - namoradas por toda a cidade. Gaúcho do morro da Mangueira, mulato carioca, sangue/suingue pra lá de bom. Mais do que repórter investigativo, era repórter solidário, empenhado em fertilizar ligações, estabelecer contatos. Seu assassinato foi também o assassinato de uma cidade possível, menos excludente, do Leme ao fundo de quintal. Na praia de domingo, a matéria do Tim não era o nosso óbvio biquini-sorvete-apito. Ele via o vendedor de sorvete, o sujeito do mate, o cara do biscoito Globo. Na briga, tomava o lugar de quem apanhava, não do que batia. Suas matérias, no JB, no Repórter, na Globo, tratam, principalmente, de injustiças sociais, violência policial, dos dramas e sonhos de gente pobre. Nada o deixava mais feliz do que botar no ar uma história de alguém que contava como conseguira superar as dificuldades impostas pela vida. Era como se ele recontasse a própria história. Anjo no nome, morreu como o padroeiro: flechado, furado, rasgado, queimado. Crivado, clareai nossa visão.
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