6 de junho de 2006

Vento suburbano

A perda dos referenciais de uma cidade talvez seja uma das conseqüências mais terríveis da evolução dos tempos. Uma sorveteria que se foi, uma praça que não existe mais, o frapê de coco do finado Simpatia que até hoje provoca suspiros no Joaquim Ferreira dos Santos. São esses marcos - alguns muito delicados, como o vento que corre entre os pilotis do prédio do MEC - que nos dão uma sensação de intimidade e de segurança: a certeza de poder marcar um encontro na estátua do Bellini sabendo que a estátua do Bellini vai estar ali. São esses marcos, muitas vezes únicos, pessoais, intransferíveis, que fazem com que consideremos uma cidade como nossa. No sábado passado tomei fôlego para uma incursão que deveria ser banal, o aniversário de uma prima me levou a uma região do subúrbio carioca muito próxima àquela em que nasci e me criei. Fui cedo com a promessa de não sair tarde, meu deadline seria às 21h. Na ida e na volta passei por ruas e avenidas conhecidas desde que me entendo por gente: Suburbana, 24 de Maio, José Bonifácio, Marechal Rondon. Endereços que, nas noites de hoje, chegam como ameaça - assaltos, tiros, mortes. As ruas estão lá, algumas referências - as estações de trem, o viaduto do Méier, a prima, as tias - também. Mas o vento que agora sopra por ali é outro. Ameaça e constrange alguém que sente medo em circular por uma região em que cresceu. É quase um sentimento de traição, como uma negação ao que se é; algo que chega a envergonhar. Sozinho no carro, respirei aliviado apenas por volta das 21h30, quando cheguei à praça da Bandeira, faltava só atravessar o elevado (onde, há uns quatro meses, testemunhei um assalto) e o túnel. Fantasmas vencidos, estava em casa. No dia seguinte, vi a notícia do assassinato do Rodrigo Netto, dos Detonautas. Morador da Fonte da Saudade (quase vizinho), fora à Cascadura visitar uma tia (quase vizinha às minhas tias). Ficou pelo caminho, na Marechal Rondon, aquela mesma que eu, menos de 24 horas antes, cruzara preocupado, com o pé fazendo peso no acelerador e os olhos atentos para a chegada de um possível inimigo.