Em primeiro lugar, parabéns a Niemeyer, incansável produtor de beleza. É admirável vê-lo chegar aos cem anos lúcido e produtivo. Seu interesse em participar de grupos de estudos, em continuar aprendendo, chega a ser emocionante. Mas, enfim, não consigo deixar de achar - com todo o respeito - que ele é mais escultor do que arquiteto. Arquitetura é uma forma de arte, sem dúvida. Mas, diferentemente da música e da pintura e mesmo da literatura, a arquitetura não pode ser dissociada de um objetivo prático – ainda que a produção do belo não deixe de ser também algo útil e necessário. Talvez o maior desafio da arquitetura seja esse: produzir uma beleza que não entre em choque com a função de um determinado prédio, com o conforto de quem vai usá-lo ou habitá-lo. E é aí que implico com Niemeyer e com seu endeusamento (logo ele, ateu de carteirinha). É como a velha piada: o bom é morar de frente para uma casa projetada por Niemeyer, não morar nela.
Implicância minha? Talvez. Mas quem gosta de samba e freqüenta o sambódromo sabe como a obra é ruim. Linda, mas ruim. Tanto que sofre sucessivas adaptações. As arquibancadas são pequenas e distanciam o público do desfile. Os intervalos entre cada um dos blocos de concreto é assustador, contribui para esfriar a apresentação das escolas. Tanto que os espaços acabaram sendo preenchidos por novas construções, que abrigam camarotes e cabines de jurados.
Para os mais novos: sabe aquele lugar das cadeiras de pista e frisas? Originalmente seria uma geral - é, Niemeyer e o saudoso Darcy Ribeiro (sujeito brilhante, mas que não entendia nada de carnaval) bolaram um lugar para as pessoas assistirem o desfile em pé! Programão, varar a madrugada de pé. Se não me engano, isso só ocorreu no primeiro ano do sambódromo; depois, os espaços foram ocupados por cadeiras.
Alguém aí já assistiu os desfiles do setor 4 das arquibancadas? È um dos piores locais do sambódromo, fica recuado em relação ao setor 2, aquele comprido, que abriga camarotes. Com o recuo, quem está ali, naquela arquibancada, fica ainda mais longe da pista. E, pior, demora mais a ver a escola chegar, seu campo de visão é menor, tem como obstáculo o minhocão de camarotes. Mas por que então foi projetado assim? Andei muito pelo sambódromo para tentar entender isso. E acho que descobri: o setor 4 foi recuado para permitir, já a partir dali, uma centralização do arco monumental que marca o fim da pista. Basta olhar da Presidente Vargas: lá de longe, o arco não fica no centro da pista. Esta centralização só ocorre nos dois últimos setores: os formados pelos blocos 4 e 11 (um em cada lado da pista) e 6 e 13 (os da Apoteose). Ou seja, em nome da beleza – a centralização do tal arco –, a visão do público foi prejudicada. Não consigo ver nisso um exemplo de boa arquitetura.
E por falar no arco: ele é muito bonito, mas atrapalha a dispersão das escolas, trata-se de um obstáculo no fim da pista. Isso, claro, sem falar na Apoteose em si, uma intervenção autoritária na lógica linear dos desfiles bolada pelo Darcy Ribeiro: ele queria que, no fim dos desfiles, cada escola evoluísse como num baile de carnaval, “uma cobra procurando o próprio rabo” – costumava dizer. Foi outra novidade que acabou abandonada pelas escolas por ser incompatível com o espetáculo. Resultado: mais cadeiras para tapar aquele latifúndio até as arquibancas. Na Apoteose, as arquibancadas ficam ainda mais longe da pista.
Resultado: o sambódromo ficou pequeno (as maiores arquibancadas são as piores – setores 1, 6 e 13) e não acabou completamente com o monta-desmonta. Todo ano a Passarela do Samba tem que que ser adaptada para o desfile, com a colocação de estruturas metálicas que suportam cadeiras de pistas e frisas. Faltou ali algo fundamental, a humildade do arquiteto diante da função de sua obra. O resultado é muito bonito, mas pouco prático. É só perguntar pra qualquer sambista.
15 de dezembro de 2007
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