Dia 25 foi dia de Rei. Aos primeiros acordes de "Emoções", minha mulher reclamou: "É tudo igual!" "É claro que é, assim que é bom", retruquei. Em seguida, na hora do "Detalhes de uma vida/histórias que eu contei aqui", previ: "Agora o arranjo vai fazer a citação de 'Detalhes' ". Fez, claro. Ainda anuncei lá pela quarta música: "Vai entrar um break." Nos especiais de Roberto Carlos, até a hora do comercial é previsível.
Mas como é possível se elogiar tanto algo tão repetitivo? Boa pergunta. Tenho lá algumas pistas. Roberto Carlos foi a trilha sonora da minha infância, eu tinha quase todos os seus discos. Depois, nos afastamos: adolescente não poderia gostar das breguices reais. Alguns anos depois, ele piorou: música pra caminhoneiro, pra mulher pequena, pra mulher míope; uma outra, oportunista que só ela, pegava carona na onda verde-amarela da Nova República. Argh! Mas, no primeiro Rock in Rio (é, eu o cobri), tremi pacas ao fazer rápida entrevista com o rei, que tinha ido à Cidade do Rock assistir à desastrada apresentação do Erasmo Carlos.
É terrível dizer isso, mas, de uma certa forma, o drama e a morte de Maria Rita reconectaram RC a grande parte de seu público. Ele ressurgiu dos infernos cheio de feridas e dúvidas. Voltou menos carola, mais humano e, talvez por isso, mais real (real aí nos dois sentidos). Tão humano que cometeu a burrice de proibir o ótimo "Roberto Carlos em detalhes", biografia escrita pelo fã Paulo Cesar de Araújo. RC desconhece o quanto o livro é bom e importante, quanto o celebra. O relato de suas tragédias pessoais - o acidente que lhe custou uma perna, a cegueira do filho, as mortes da ex-mulher e de Maria Rita, a descoberta do TOC - o torna mais próximo de seus, vá lá, súditos. Arrisco dizer: são dramas que, acompanhados que foram pela população, deram aquele tom de tragédia sempre presente nas grandes sagas de famílias reais. Lembro que a história da perna sempre foi um segredo ridículo: até em Piedade todo mundo sabia, mas ninguém falava nisso em público. Os problemas de saúde do filho e de Maria Rita foram acompanhados como novela - o próprio RC nunca os escondeu. É meio complicado quando ele, agora, vem pedir respeito à sua privacidade.
Aos trancos e barrancos, RC construiu uma história de identificação com boa parte do público brasileiro. De certa forma, ele nos joga na cara que somos sim meio bregas, que - de vez em quando - gostamos de arranjos gradiloqüentes, de versos meio óbvios, de um bolerão. Como diz Antônio Torres, sertanejo e especialista em Brasil: samba é música de centro urbano, o país como um todo gosta mesmo é de bolero. Tentando resumir: talvez RC nos diga, a cada fim-de-ano, que não somos tão bons como gostaríamos de ser, que não conseguimos superar nosso carinho por aquelas canções. É possível que esse amor seja também, mas não apenas isso, uma prova de um fracasso, de uma rendição à mesmice. Mais: um indício de que o país não mudou tanto assim nos últimos 40 anos. Deprimidos com a falência de nossos sonhos de redenção, de superação do atraso (econômico, social e mesmo estético), simbolicamente nos sentamos naquele bar vagabundo de beira de estrada e pedimos mais do mesmo. Pode ser, mas é também algo que nos recoloca em contato com nossas histórias, com nossas limitações. O RC ali, no fim de cada ano, dá uma idéia de permanência, o que não é pouco, num país que muda tanto. Mudamos e permanecemos - e não deixa de ser emocionante ver o rei, já meio velhinho, tendo que recorrer a monitores colocados no palco para não esquecer as letras das músicas. Reis também envelhecem.
Ah, ele não cantou "Detalhes". Imperdoável. "Até os erros do meu português ruim" é um verso comparável à narrativa do band-aid que Aldir Blanc colou no calcanhar da melodia de João Bosco.
27 de dezembro de 2007
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