Acabo de ler que o pai de uma das vítimas do acidente em São Paulo - aquele em que morreram cinco jovens - disse que o fato deveria servir de exemplo para os mais jovens. Mas, em seguida, classificou o episódio de "fatalidade". Com todo o respeito e carinho por ele, que sofre agora uma dor inimaginável: é um erro se falar em "fatalidade". Ao que tudo indica - e peço desculpas antecipadas caso eu esteja errado - houve sim uma irresponsabilidade coletiva. Não uma fatalidade, mas um resultado até previsível diante da provável combinação entre álcool e volante.
É curioso como a sociedade reage de forma diferente a tragédias que causam mortes violentas. Se as mortes são resultado de uma ação de bandidos, ressurge o coro do pega-mata-come: a pregação por penas mais duras, a negação dos mais elementares direitos humanos, a tolerância com a violência policial. Claro: essas mortes são produzidas pelos outros, por eles, pelos marginais; de um modo geral, feios, sujos e malvados. Já acidentes de trânsito são, de um modo geral, causados por gente como a gente, pessoas que se parecem conosco, com nossos amigos ou filhos. Nesses casos, a grita é mais branda. O crime aparece coberto pela capa da tal fatalidade. Não tenho apoio estatístico para isso (já até tentei usar os dados do DataSus, mas eles são incompletos, não permitem conclusões definitivas), mas sou capaz de apostar que os filhos da classe média morrem mais de acidentes de carro do que de balas disparadas por bandidos. No entanto, tendemos a ter mais medo da ação destes.
Volta e meia se acusa - com razão até - a justiça de ser lenta e tolerante com motoristas que causam acidentes. Mas, de certa forma, a sociedade também é igualmente tolerante. Na madrugada de domingo passado, o jogador Edmundo, depois de circular num camarote no sambódromo, desceu à pista e desfilou no meio de uma escola de samba. De onde eu estava, não ouvi vaias nem qualquer manifestação de protesto quanto à presença, ali, de um sujeito condenado pela morte de três jovens em um acidente de trânsito ocorrido em dezembro de 1995. Julgado em 1999, ele, até hoje, consegue, de recurso em recurso (são sete recursos desde a condenação, segundo matéria publicada em junho passado em O Globo), adiar o cumprimento da pena. Uma pena muito leve, por sinal: quatro anos e meio de prisão em regime semi-aberto.
Duvido que a reação do público do sambódromo seria a mesma caso o desfilante fosse outro. Por exemplo, um homicida comum, ou mesmo aqueles dois condenados pelo assassinato da Daniella Perez (e olha que ambos cumpriram pena). A sociedade é tolerante com os crimes de trânsito talvez até como um habeas corpus preventivo - como se pensasse no que seria capaz de fazer ao volante depois de algumas doses. Na dúvida, exerce com o outro a tolerância que deseja para si. O resultado disso é o silêncio cúmplice diante do desfile de um condenado que se recusa a cumprir a pena.
12 de fevereiro de 2008
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