14 de março de 2008

Chinelos de marca

Maria Augusta conta que, durante a produção, um menino lhe pediu R$ 50 para comprar um "chinelo de marca". "Perguntei por que queria tanto aquele, e ele retrucou: 'A gente não tem nada, vive numa favela, nem isso pode ter?'. Há, portanto, a percepção da injustiça social. Só que ao mesmo tempo eles compram a imagem do outro, o sonho que jamais poderão realizar", salienta.

O trecho aí de cima foi tirado de matéria do amigo Marcelo Moutinho (www.marcelomoutinho.com.br) sobre o documentário "Juízo", de Maria Augusta Ramos. Bem legal a reflexão que ela faz - meninos pobres tentam "comprar a imagem do outro". Sabem que não serão como eles, como os ricos, os maurícios. Mas podem fingir que são um deles.
O texto no blog do Moutinho foi colocado no mesmo dia em que a Folha e o Estadão abriram espaços para mostrar a incompetência do sistema público de ensino de São Paulo, o estado mais rico da federação. Os números são assustadores, reforçam o que se sabia: a maioria daquelas escolas cumpre mais ou menos o papel do tal "chinelo de marca". Elas apenas vendem a imagem de que são escolas: o diploma de ensino médio de uma delas atesta o mesmo que um outro, de uma das escolas da elite paulista. Na prática sabemos que não é assim.
Mas o que importa é a aparência: um diploma que finge ser um diploma igual ao diploma dos ricos. Um fingimento que rouba sonhos, impede que a esperança prospere. Pra que estudar se este estudo não vai permitir um acesso a uma vida melhor? Então, vamos todos fingir: o Estado dá uma educação fingida, que é coroada com um diploma que não é diploma. Algo que não vai permitir ao formando elementos para tentar ser um "outro". Que ele se contente então em fingir que é um outro, com o tal par de chinelos de marca. Isso, numa sociedade consumista como a nossa, tende a não dar certo. Já não está dando, né?

Lembrei de uma outra história, ocorrida na casa de um outro amigo: uma empregada doméstica tentava convencer o filho adolescente a desistir de um pedido, um par de tênis de R$ 300/400. Lembrou que os filhos de seus patrões usavam tênis bem mais baratos, de R$ 100/120. O garoto respondeu algo como: "Pois é, mãe. Mas ninguém vai achar que os filhos do seu patrão são pobres, eles não precisam dos tênis caros."