Tudo bem que futebol seja talvez a melhor metáfora da vida - muita gente boa já disse isso (os argumentos a seguir são de outros, os transcrevo de memória): em esportes como vôlei e basquete são muitas as oportunidades de se fazer pontos; no futebol elas são escassas - como na vida. Nossas chances não são tantas assim, um simples vacilo e lá se vai a mulher, ou trabalho, ou a viagem. Babau. Futebol, com suas regras clássicas e pouco mudadas, representa também um teste para um sentimento de justiça. Parece que o Camus disse que num estádio de futebol, e apenas ali, conseguia se sentir inocente. Em tese, acreditamos que dentro das tais quatro linhas, a justiça vai se impor, soberana, acima das pressões. Mas, como na vida, isso não acontece. O futebol é injusto: por obra do acaso ou mesmo por roubalheira explícita, nem sempre o melhor vence. A gente sabe disso: mas o roubo no futebol, talvez por mexer com algo que tem valor apenas simbólico (nada mais abstrato que um título), machuca muito. Aquela sensação de criança que tem o doce roubado - um doce é tão barato, por que roubá-lo? Nessas horas fica difícil recuperar a inocência detectada por Camus.
Tudo bem, a vida continua, outros campeonatos virão, daqui a pouco a tristeza encontra forças para virar esperança. Mas, caramba, citando Drummond: é só um jogo, mas como dói.
Numa inútil tentativa de consolo, recorro, mais uma vez, a Paulo Mendes Campos.
"Sou preto e branco também, quero dizer, me destroço para pinçar nas pontas do mesmo compasso os dualismos do mundo, não aceito o maniqueísmo do bem e do mal, antes me obstino em admitir que no branco existe o preto e no preto, o branco.
(...)
O Botafogo é um clube com temperamento amadorístico, mas forçado, a fim de não ser engolido pelas feras, a profissionalizar-me ao máximo; também sou cem por cento um coração amador, compelido a viver a troco de soldo.
Reagimos ambos quando menos se espera; forra-nos, sem dúvida, um estofo neurótico. Se a vida fosse lógica, o Botafogo deixaria de levar o futebol a sério, fechando suas portas; eu, se a vida fosse lógica, deixaria de levar o mundo a sério, fechando os meus olhos.
(...)
O Botafogo, às vezes, se maltrata, como eu; o Botafogo é meio boêmio, como eu; o Botafogo sem Garrincha seria menos Botafogo, como eu; o Botafogo tem um pé em Minas Gerais, como eu; o Botafogo tem um possesso, como eu; o Botafogo é mais surpreendente do que conseqüente, como eu; ultimamente, o Botafogo anda cheio de cobras e lagartos, como eu.
O Botafogo é mais abstrato do que concreto; tem folhas secas; alterna o fervor com a indolência; às vezes, estranhamente, sai de uma derrota feia mais orgulhoso e mais botafogo do que se houvesse vencido; tudo isso, eu também.
Enfim, senhoras e senhores, o Botafogo é um tanto tantã (que nem eu). E a insígnia de meu coração é também (literatura) uma estrela solitária."
25 de fevereiro de 2008
Dor alvinegra (1)
O Fernando Calazans classificou de "ridículo" o episódio ocorrido ontem no vestiário do Botafogo: a revolta do Cuca, o choro de jogadores e do presidente Bebeto de Freitas. O Calazans foi duro, chamou a cena de "descabida", disse que o técnico alvinegro atuou como um ator canastrão. Engraçado que o rigor tenha vindo de um cronista que tanto prega pela volta de valores meio esquecidos no nosso futebol: na sua coluna, ele defende o jogo limpo e o drible, condena a violência, exalta as equipes que partem para o ataque. Valores que - nestes tempos de "créu", de jogador que comemora gol imitando o gesto de disparar um fuzil - chegam a dar um certo ar nostálgico à sua coluna. Volta e meia o Calazans lembra um daqueles pregadores que berram profecias e anunciam apocalipses no meio de uma multidão indiferente, que sequer esconde um certo riso ao ver o sujeito, terno-e-gravata surrados, a clamar pela salvação.
O Calazans que, certo de sua fé, não teme ser chamado de retrógrado, incorporou, no jornal desta segunda-feira, um pouco do pragmatismo pit-bull que domina nosso futebol e, mesmo, tantos e tantos aspectos da política e das relações aqui no Brasil. Para o cronista, a revolta e o choro não passaram de manifestações ridículas. Engraçado, eu, como leitor habitual de sua coluna, achei que ele poderia até não exaltar a cena, mas, pelo menos, nela veria o ressurgimento de valores importantes, comuns em outros tempos. Tempos em que jogadores tinham sim amor pela camisa, em que dirigentes eram homens apaixonados pelos clubes e não enriqueciam nos cargos. O choro e a revolta de ontem, Calazans, pareceram ser sinceros. Expressavam o desencanto com uma lógica cruel, uma rendição ao poder do clube hegemônico.
No ano passado, o Botafogo foi prejudicado na final contra o mesmo Flamengo. Ontem, isto voltou a ocorrer - duvido que o juiz marcasse aquele pênalti a favor do Botafogo, não consigo entender como ele não apitou quando o Bruno agarrou uma bola atrasada com o pé por um jogador da defesa rubro-negra. Roubo explícito? Não, apenas sucessivas manifestações de boa vontade com um time que hoje concentra o poder no futebol carioca. Como disse aquele juiz assumidamente ladrão - o Edílson -, para prejudicar um time não é preciso anular gols ou marcar pênaltis inexistentes. Basta irritar, inverter uma ou outra falta, tirar o equilíbrio dos jogadores adversários.
O desabafo dos jogadores alvinegros ontem, Calazans, expressou a perda do tal equilíbrio, a revolta com mais uma injustiça. Como muitas e muitas outras manifestações humanas - o amor, por exemplo - ficou ali, na fronteira entre o sublime e o ridículo. Esta capacidade de nos expor é que nos torna humanos, imprevisíveis. Pena que você tenha optado - créu! - por cravar a opção do ridículo e não ter feito nenhuma concessão ao sublime da cena.
O Calazans que, certo de sua fé, não teme ser chamado de retrógrado, incorporou, no jornal desta segunda-feira, um pouco do pragmatismo pit-bull que domina nosso futebol e, mesmo, tantos e tantos aspectos da política e das relações aqui no Brasil. Para o cronista, a revolta e o choro não passaram de manifestações ridículas. Engraçado, eu, como leitor habitual de sua coluna, achei que ele poderia até não exaltar a cena, mas, pelo menos, nela veria o ressurgimento de valores importantes, comuns em outros tempos. Tempos em que jogadores tinham sim amor pela camisa, em que dirigentes eram homens apaixonados pelos clubes e não enriqueciam nos cargos. O choro e a revolta de ontem, Calazans, pareceram ser sinceros. Expressavam o desencanto com uma lógica cruel, uma rendição ao poder do clube hegemônico.
No ano passado, o Botafogo foi prejudicado na final contra o mesmo Flamengo. Ontem, isto voltou a ocorrer - duvido que o juiz marcasse aquele pênalti a favor do Botafogo, não consigo entender como ele não apitou quando o Bruno agarrou uma bola atrasada com o pé por um jogador da defesa rubro-negra. Roubo explícito? Não, apenas sucessivas manifestações de boa vontade com um time que hoje concentra o poder no futebol carioca. Como disse aquele juiz assumidamente ladrão - o Edílson -, para prejudicar um time não é preciso anular gols ou marcar pênaltis inexistentes. Basta irritar, inverter uma ou outra falta, tirar o equilíbrio dos jogadores adversários.
O desabafo dos jogadores alvinegros ontem, Calazans, expressou a perda do tal equilíbrio, a revolta com mais uma injustiça. Como muitas e muitas outras manifestações humanas - o amor, por exemplo - ficou ali, na fronteira entre o sublime e o ridículo. Esta capacidade de nos expor é que nos torna humanos, imprevisíveis. Pena que você tenha optado - créu! - por cravar a opção do ridículo e não ter feito nenhuma concessão ao sublime da cena.
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