18 de fevereiro de 2008

O show dos subsídios

O Ancelmo Góis publicou, o Marcelo Moutinho comentou (www.marcelomoutinho.com.br) - com um título pra lá de sugestivo, "E vai rolar a fe$ta" -, a decisão do Ministério da Cultura de permitir que a Ivete Sangalo vá ao mercado captar R$ 1.850.820,00 para fazer seis shows pelo país. O negócio é mais ou menos o seguinte: com a autorização, a produção da Ivete - uma artista popular, que tem shows lotados e vende muitos CDs e DVDs - vai em busca de patrocínio. O dinheiro que as empresas investirem será abatido de seus impostos. E as empresas ainda têm direito de posar de patrocinadoras do show - na verdade, os patrocinadores seremos todos nós, gostemos ou não gostemos da Ivete, tenhamos ou não tenhamos grana para assistir seus shows, compremos ou não ingressos.
Em tese, o mais justo aplicar dinheiro público em atividades artísticas e culturais que não tivessem como viver apenas do mercado (orquestras, grupos populares e/ou iniciantes, atividades em cidades fora dos grandes centros). Projetos de artistas consagrados poderiam até receber uma graninha, desde que envolvessem uma contrapartida - shows gratuitos, com ingressos populares, sei lá. O complicado é usar o dinheiro de todos para bancar a diversão de alguns e o lucro de poucos.
Pra não ser injusto: a Ivete não é, nem de longe, a única a se beneficiar da lógica de dar dinheiro público para quem já o tem (uma velha prática brasileira, por sinal). Fui dar uma olhada no site do Minc. Olha só que encontrei: a Maria Bethânica conseguiu captar R$ 500 mil reais para a série de shows Brasileirinho II, também chamada de Dentro do mar tem rio. Conseguiu dinheiro na Eletrobrás, Unibanco e Copesul. Pior é que o site diz que houve problemas na prestação de contas. No Canecão, os ingressos pagos por não-estudantes custaram de R$ 60,00 a R$ 140,00 (havia poltronas a R$ 20,00, compradas na hora do show). Em São Paulo, variavam de R$ 100,00 a R$160,00. Ingressos, vale frisar, subsidiados com dinheiro público.
Gilberto Gil conseguiu, em 2002 - antes de virar ministro -, captar R$ 143 mil apenas para a produção editorial de um livro - Todas as letras - que reuniria as letras de suas músicas e apresentaria seus comentários sobre elas. A impressão seria bancada com recursos próprios. Também em 2002, sua produtora captou R$ 860 mil para viabilizar a presença de seu Trio Elétrico Expresso 2222 no Carnaval de Salvador.
Que ninguém diga que implico com baiano. A produção da peça Mademoiselle Chanel, com Marília Pêra, captou R$ 619 milhões: se não me engano, os ingressos de não-estudantes custavam, no Rio, até R$ 120,00. Depois, os produtores conseguiram mais R$ 477 mil para apresentações em outras sete cidades do país.
Paulinho da Viola, um dos artistas que mais admiro, solicitou ao MinC o direito de captar R$ 1.726.300,00 para fazer, em 2008, 20 shows em dez cidades brasileiras. O projeto ainda não foi aprovado. Mais modestos, os gaúchos Kleiton e Kledir querem autorização para captar R$ 233.500,00 para produzir um CD com músicas inéditas que terá a tiragem de 3 mil exemplares: custo unitário, portanto, de R$ 77,83. Ah, cada CD será vendido por R$ 25,00.
OK, os valores são menores que os inacreditáveis R$ 9,4 milhões captados pelos produtores do Cirque du Soleil em 2006. Mas, enfim, ficam algumas perguntas: será que não seria mais justo que o financiamento dos shows e CDs de artistas consagrados fosse feito pelos fãs que compram ingressos e discos? Por que todos temos que pagar por isso? Por que o Estado tem que subsidiar a propaganda feita por grandes empresas? Importante registrar que tudo isso é feito legalmente, não há irregularidade. Mas talvez seja o caso de se repensar esse tipo de investimento público. Enquanto isso, os jornalistas que cobrem a área poderiam passar a incluir o valor captado com base nas leis de incentivo nas matérias sobre estréias de peças, filmes e shows subsidiados.