No plantão do último fim-de-semana acabei indo cobrir o tiroteio entre policiais e bandidos na Mangueira. Estive no local e, depois, já no fim da noite de sábado, fui para o Souza Aguiar, para onde tinham sido levados dois feridos, duas vítimas de balas classificadas como perdidas: a menina Fabiana, de 11 anos, e seu avô Fernando, de 60.
No início da madrugada de domingo, minha conversa com um tio da estudante, no pátio do hospital, foi interrompida por gritos: o pai, um outro tio e um ou dois vizinhos saíam desesperados do interior do Souza Aguiar. Tinham acabado de saber que Fabiana morrera. O homem com quem eu conversava correu na direção do grupo, eu me juntei aos outros jornalistas. O pai de Fabiana chorava sentado num banco, cercado pelos parentes e vizinhos. O cinegrafista e os fotógrafos registravam a cena da forma mais diiscreta e respeitosa possível: ninguém usou flash, nenhuma luz foi acesa.
Um dos tios de Fabiana - irmão da mãe dela, parece - atravessou o pátio do hospital gritando, batendo em portões. Logo em seguida chegou a mãe da menina, acompanhada por duas outras mulheres. Ela já sabia da notícia. Chorando muito, andou a esmo pelo pátio. Depois, ela se sentou numa calçada que fica na área externa do hospital - a primeira página do "Globo" de ontem publicou esta imagem.
Alguns minutos depois, aos soluços, uma das parentes da menina, conversou com os repórteres: não era entrevista, era mais um despejar de frases meio desconexas, que alternavam críticas à atuação da polícia com um lamento que, naquela madrugada, seria repetido como um mantra por outros que ali estavam compartilhando do mesmo drama: "Não moramos em favela porque gostamos, moramos porque não temos dinheiro para morar em outro lugar."
No dia seguinte, pelo Google Maps, vi que a menina morava com os avós paternos numa rua asfaltada, urbanizada, um acesso ao morro do Telégrafo, ali na Mangueira. Muitas favelas não têm mais como crescer para cima dos morros, espalham-se então para baixo, para a parte urbanizada da cidade. Seguem uma logica razoável: se o poder público não conseguiu levar o Estado para o morro, o morro leva a favela para o asfalto. O entorno das favelas acaba favelizado, é só ver o que aconteceu em volta do Alemão e com os prédios que ficam na subida do Dona Marta, em Botafogo.
No domingo, tive que passar pelo velório da menina. Pedimos permissão para gravar algumas imagens do lado de fora da capela, perguntei se os parentes poderiam nos ceder uma foto da menina. O tio com que conversara na véspera foi até ao lado do caixão e retirou de um arranjo de flores uma foto de Fabiana, vestida com uma roupa de Papai Noel. Ao ver que a foto estava sendo entregue a um jornalista, a avó paterna da menina gritou e saltou na minha frente. Disse que não, que não. Que não queria a foto da neta nos jornais, na TV. Pedia desculpas, e dizia que não, que não. Procurei acalmá-la, afirmei que, claro, ela tinha todo o direito de não ceder a imagem, não, não ficava chateado - e, por favor, a senhora não precisa pedir desculpas. A avó então começou a falar da neta, a contar que ela era ótima aluna, que só tirava boas notas. Interrompia a narrativa para perguntar-se - "Como vou viver sem minha pretinha?" -, e continuava a lembrar da menina. A Fabiana, dizia, tinha muito medo de ser atingida por uma bala. Disse que ela tinha visto na TV aquelas seis mil rosas colocadas em Copacabana, uma manifestação que chamava a atenção para seis mil pessoas mortas em situações violentas:
"Aí ela me disse: `Vó, eu não quero ser uma rosa daquelas.´ E hoje, moço, ela é a rosa seis mil e um."
Depois disso, só me restava fazer um último carinho na avó e sair logo da capela, não havia como gravar nada ali.
18 de dezembro de 2007
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