25 de fevereiro de 2008

Dor alvinegra (1)

O Fernando Calazans classificou de "ridículo" o episódio ocorrido ontem no vestiário do Botafogo: a revolta do Cuca, o choro de jogadores e do presidente Bebeto de Freitas. O Calazans foi duro, chamou a cena de "descabida", disse que o técnico alvinegro atuou como um ator canastrão. Engraçado que o rigor tenha vindo de um cronista que tanto prega pela volta de valores meio esquecidos no nosso futebol: na sua coluna, ele defende o jogo limpo e o drible, condena a violência, exalta as equipes que partem para o ataque. Valores que - nestes tempos de "créu", de jogador que comemora gol imitando o gesto de disparar um fuzil - chegam a dar um certo ar nostálgico à sua coluna. Volta e meia o Calazans lembra um daqueles pregadores que berram profecias e anunciam apocalipses no meio de uma multidão indiferente, que sequer esconde um certo riso ao ver o sujeito, terno-e-gravata surrados, a clamar pela salvação.
O Calazans que, certo de sua fé, não teme ser chamado de retrógrado, incorporou, no jornal desta segunda-feira, um pouco do pragmatismo pit-bull que domina nosso futebol e, mesmo, tantos e tantos aspectos da política e das relações aqui no Brasil. Para o cronista, a revolta e o choro não passaram de manifestações ridículas. Engraçado, eu, como leitor habitual de sua coluna, achei que ele poderia até não exaltar a cena, mas, pelo menos, nela veria o ressurgimento de valores importantes, comuns em outros tempos. Tempos em que jogadores tinham sim amor pela camisa, em que dirigentes eram homens apaixonados pelos clubes e não enriqueciam nos cargos. O choro e a revolta de ontem, Calazans, pareceram ser sinceros. Expressavam o desencanto com uma lógica cruel, uma rendição ao poder do clube hegemônico.
No ano passado, o Botafogo foi prejudicado na final contra o mesmo Flamengo. Ontem, isto voltou a ocorrer - duvido que o juiz marcasse aquele pênalti a favor do Botafogo, não consigo entender como ele não apitou quando o Bruno agarrou uma bola atrasada com o pé por um jogador da defesa rubro-negra. Roubo explícito? Não, apenas sucessivas manifestações de boa vontade com um time que hoje concentra o poder no futebol carioca. Como disse aquele juiz assumidamente ladrão - o Edílson -, para prejudicar um time não é preciso anular gols ou marcar pênaltis inexistentes. Basta irritar, inverter uma ou outra falta, tirar o equilíbrio dos jogadores adversários.
O desabafo dos jogadores alvinegros ontem, Calazans, expressou a perda do tal equilíbrio, a revolta com mais uma injustiça. Como muitas e muitas outras manifestações humanas - o amor, por exemplo - ficou ali, na fronteira entre o sublime e o ridículo. Esta capacidade de nos expor é que nos torna humanos, imprevisíveis. Pena que você tenha optado - créu! - por cravar a opção do ridículo e não ter feito nenhuma concessão ao sublime da cena.

8 comentários:

Marcelo Moutinho disse...

Concordo com vc. E tbm fiquei chocado com o texto do Calazans. Eu, que sou tricolor, pensei até em escrever para ele, falando de minha decepção com um cronista a quem admiro. O choro, quando nasce da ira dos justos, é bonito, não ridículo.

Anônimo disse...

Grande Molica, diferentemente do normal, desta vez não vou me identificar, porque sou colega de trabalho do Calaza (e sobretudo, admirador do equilíbrio e das posições dele em relação ao futebol-arte). Mas você há de saber quem escreve, depois daqueles nossos encontros do fim de semana, quando você me aconselhou manter distância da final para não atrair os fluídos do meu time. Concordo que desta vez Calazans pisou na bola. E olha que, entre tantos oba-obas da Fla Press, vendendo para uma torcida estúpida uma lisura da arbitragem que não aconteceu em campo, e atribuindo ao choro de perdedor as reclamações contra o autêntico assalto a que se assistiu no Maraca, corri para ler o equilibrado Calaza, um rubro-negro que destoa de 99% da torcida. Foi tão cristalino o roubo, foi tão na cara a provocação do apitador ao time do Bota com aquelas inversões de falta e a cegueira diante das infrações a favor do alvinegro, que eu tinha certeza de que pelo menos na coluna do nosso amigo a coisa ia aparecer em pratos limpos. Uma pena, porque parece que caiu o ultimo bastião de sobriedade e clarividência da Fla Press. O clube que detém o poder no campo agora também parece ter alcançado o monopólio na imprensa. Uma pena para um futebol que já deu Garrinha, a quem Calaza tanto se refere como exemplo do futebol brasileiro. Espero que nas próximas colunas ele se redima - ou, pelo menos, que não passe a exaltar souzas e tardelis como craques.

Sergei Kostof disse...

amor a camisa... deve ser m mesmo amor do do Dodô ano passado. Tolinho!

Fernando Molica disse...

Tá bom, podemos mudar por amor ao trabalho, ao esforço. Que seja.

abs.

Sergei Kostof disse...

quanto ao kleber leite, chororô de perdedor mesmo, mas sem palhaçada ou falsa renúncia. bebeto tá em fim de mandato, não vai renunciar porra nenhuma, nem pode se reeleger por regulamento. é boilice isso tudo. será reconduzido ao cargo por voces mesmo, em nome de um amadorismo inútil, que só tem se mostrado improdutivo. Não aprendeu nada ano passado com um time muito melhor.

Unknown disse...

Querido Molica,
compreendo a sua dor, mas não me comovo com o choro no vestiário. Por mais difícil que seja interpretar a lágrima de alguém, vejo naquelas derramadas pelo Botafogo mais instabilidade emocional do que amor. Conversei hoje com o Bebeto de Freitas sobre o assunto. Como é frágil esse elenco, que chora e pede que a torcida boicote seus jogos... É o retrato da diretoria intempestiva, e não estou poupando nem mesmo o Bebeto, um cara que conheço e respeito há 20 anos, desde sua origem, as quadras de vôlei. Sua falta de serenidade não ajuda em nada, ao contrário da dedicação que vem mostrando. Mas, claro, estou falando com os olhos de quem não viu roubo nem má fé, mas um futebol de alto nível diante de um apito sem competência nem cacife. Bebeto assumiu há seis anos um clube com uma dívida superior a 200milhões. E, até dezembro, segundo ele, o Botafogo não mais estará no vermelho. Lembro isso para dizer que Bebeto, como administrador, dá um show. Falta-lhe, portanto, muito pouco para ser um presidente perfeito. Terá de ser menos passional. Duvido que consiga, mas o Botafogo precisa disso.
Marluci Martins

Fernando Molica disse...

Querida Marluci. Não me comovi com o choro dos jogadores, não cheguei a tanto - mas respeitei a manifestação, foi digna. Não foi ridícula. Meu amigo e compadre Sérgio me deu uma sacaneada, ironizou aquela história de "amor à camisa" por parte de jogadores. OK, isso pode até ter acabado, mas existe o amor ao trabalho, ao esforço. Os jogadores podem ter até chorado por isso, mas não fingiram.
Concordo com sua análise, o Bebeto é, de longe, o melhor dirigente do Rio, um dos melhores do Brasil. Mas o cara tem o direito de virar o fio, de dizer chega. Aconteceu no domingo. Espero, claro, que ele e o time superem isso, caso contrário vai ficar complicado ganhar alguma coisa. Mas, enfim, todos merecem respeito. Ah, me comovi muito com a molecada que vi chorando nas arquibancadas, nunca tinha visto isso - e olha que coleciono algumas decepções alvinegras.
Beijos.

Sergei Kostof disse...

"Ah, me comovi muito com a molecada que vi chorando nas arquibancadas, nunca tinha visto isso" -
Pô Moliquinha, deixou o lide pro pé? Você foi ao jogo, pô! Tá explicado. Estava certo de que iria ganhar e esqueceu a cautela e o pé-frio habituais...

De volta à vida, para o alto e avante. Chega de chororô de vestiário: muito homem chorando junto, daqui a pouco estão espremendo espinha um do outro, se abraçando, sei não...

fui.