28 de fevereiro de 2008

O gesto do Souza e o ministro do Chico

A nova letra que a torcida do Flamengo fez para a "Ninguém cala..." é, admito, engraçada. Melhor isso do que dizer que vai matar, trucidar. Sacanear a torcida adversária faz parte do jogo, da brincadeira - assim como reclamar do juiz. A sátira lembra aquela outra, sobre o pior ataque do mundo, feita há tempos pela torcida do Vasco.
Mas fiquei preocupado quando, ontem à noite, vi pela internet que o Souza fingiu que chorava ao comemorar o gol que fez contra o tal do Cienciano. Uma outra ironia com a reação dos jogadores, técnico e presidente do Botafogo depois do jogo de domingo. Torcida é torcida, mas o Souza... O cara volta e meia comemora gols fazendo, com as mãos, o gesto de quem dispara uma arma - negócio meio complicado pra quem vive numa cidade violenta como a nossa. Soube há pouco, por um amigo flamenguista, que volta e meia o mesmo jogador faz outro gesto, cruza os punhos cerrados sobre a cabeça - algo que remeteria para um outro tipo de organização, daquelas que disputam territórios em morros cariocas. Céus!
No domingo, o Souza começou toda aquela desnecessária confusão depois do primeiro gol do Flamengo - o empate não era bom pro Botafogo, não haveria porque seus jogadores retardarem o reinício da partida. O Souza não precisava ir lá disputar a bola com o Castillo. Agora, o sujeito sacaneia todo o Botafogo - jogadores, dirigentes, técnicos e, mesmo, torcedores. Sacaneia colegas de trabalho, incita a torcida, acirra ânimos. Espero que isso não renda mais confusão. Mas, do jeito que as coisas andam - lembremos que um torcedor do Botafogo foi morto depois do jogo de domingo -, tende a dar merda. Faltou à diretoria do Flamengo um diretor do "Vai dar merda", um equivalente clubístico ao ministério que o Chico Buarque sugeriu ao governo federal. Alguém que, há algum tempo, tivesse dado uma bronca no Souza. O problema é que, de um modo geral, dirigente adora qualquer gesto que o identifique com a torcida. Mesmo que isso causa problemas lá na frente, que coloque ainda mais em risco a vida dos que se dispõem a ver jogos no Maracanã.
Acho que os dirigentes do Botafogo e do Flamengo poderiam tentar dar um jeito de diminuir esta tensão, os dois times vão se enfrentar em breve, na disputa pela Taça Rio. O Botafogo reclamou do juiz, mas sequer insinuou participação da diretoria do Flamengo numa suposta armação - isso abre caminho para um entendimento. Repito o que já andei dizendo em comentários anteriores: muitos e muitos torcedores deixam de ir ao Maracanã quando seus times enfrentam o Flamengo. Não por medo de perder, mas por medo de apanhar. A torcida do Flamengo não detém o monopólio da estupidez nem da violência (nisso, todas as organizadas tradicionais se equivalem), mas, por ser muito maior que as outras, tem exercitado mais essas, digamos, características. Enfim, cabe aos dirigentes - e também a nós, jornalistas - contribuírem para segurar as pontas. A irresponsabilidade de um jogador não pode colaborar para o aumento de uma já assustadora violência nos estádios e em volta deles.

8 comentários:

Marcelo Moutinho disse...

E como o caderno de esportes de O Globo tratou o gesto do marginal? Comos sendo algo muito natural. Seria o critério aplicado a outrem? Aquela editoria de esportes é uma vergonha! Que falta faz a concorrência...

Diego Moreira disse...

Molica, eu, que fui ao maior do mundo e vi as coisas de lá, reparei que o próprio Joel Santana, quando saudado pela torcida na apresentação que antecede a partida, fez o tal gesto que o Souza faz com punhos cruzados sobre a cabeça, que, sabe-se, é ligado a elementos do tráfico.

A maioria dos atletas não tem preparo pra lidar com a influência que eles podem produzir nas massas. Então eu acho que você matou a charada apontando a responsabilidade dos dirigentes, que não só devem saber passar esse tipo de orientação bem como ajudar a minimizar os conflitos punindo atitudes como as habituais do Souza.

Abraço!

Marcelo Moutinho disse...

Diego: dos dirigentes e dos jornalistas.

Diego Moreira disse...

Boa, Marcelo. A turma da caneta também pode e deve fazer a parte dela.

Sergei Kostof disse...

menas, galera, menas!
Nessa nefasta era demagógica do politicamente correto voces querem censurar até comemoração de gol.
O gesto do Souza foi capa de todos os jornais, menos o JB. Inspirado foi o Lance que juntou a gozação ao sufoco do jogo com a manchete "chorado!".
E antes que me cobrem, também achei viadagem neguinho ficar ofendido com a dancinha do créu do Thiago alguma coisa do Flu na goleada sobre o Flamengo.
Que seriam do Garrincha, do Manga, do Viola, do Edílson hoje em dia diante de tanta patrulha? Menas... Ô raça!

Fernando Molica disse...

Pois é, amigo Sérgio. O problema é que os tempos são outros, diferentes, muito diferentes do tempo do Manga, do Garrincha. Hoje, as torcidas têm que entrar e sair separadas do Maracanã. Hoje, eu e meus filhos só colocamos as camisas do Botafogo dentro do estádio - domingo passado, na saída do jogo, todos vestidos em trajes civis, imersos num vermelho-e-preto, temia que nossas caras de desalento nos dedurassem. Sabe-se lá o que poderia acontecer. Hoje, torcedores são mortos com alguma freqüência - domingo, um do Botafogo foi assassinado; outro dia, na Praça 15, torcedores (do Vasco ou do Flamengo, não me lembro ao certo) foram vítimas de uma emboscada. Morreu um ou morreram dois - nem lembro. Virou uma quase rotina. No ano passado fui cobrir o enterro de um alvinegro no cemitério de Irajá, um cara novo, uns 19 anos, funcionário de supermercado, morto numa briga com tricolores. Foi a primeira vez que quase chorei num enterro de desconhecido. Não porque o cara torcia pelo mesmo time que eu. Mas porque era um jovem que, na falta de outros sonhos, agarrou-se à bandeira do Botafogo e a uma lógica violenta de torcer. Poderia ter matado, acabou sendo morto. Temos todos responsabilidade de tentar ao menos impedir a proliferação desta insensatez. Ao ver o gesto do Souza pensei na molecada que vai ao Maracanã, na irresponsabilidade que é jogar faíscas nesse escritório cheio de botijões de gás. Pensei, Sérgio, nos meus filhos, nos seus filhos - que torcem por times diferentes. Abração.

Sergei Kostof disse...

Os alvinegros dançaram o créu diante dos tricolores e ninguém achou provocação...

Mas você está certo. Sempre pode ficar pior do que já está.

Mas ajudaria do lado de lá levar mais na esportiva a provocação do que na horna ofendida, não?

è assim que começam essas guerras sem fim... Esvaziaria essa pendenga toda achar que o Souza foi simplesmente... babaca. Como o Thiago Neves. Ambos sem um pingo do charme dos Romários, Violas e Garrinchas em suas talentosas irreverências.

abs

Fernando Molica disse...

Começamos a concordar. Mas vale frisar: o créu do Botafogo foi uma conseqüência do créu do Thiago Neves que, por sua vez, tinha dito que queria jogar com o Flamengo na final da Taça GB.
Mas tomara que tudo isso passe logo. De minha parte, quero ver o time inteiro do Botafogo simulando choro ao derrotar o Flamengo na final do Campeonato Carioca. Fazer como fez o Dimba que, numa final vencida pelo Fogão, rebolou para lembrar a rebolada do Edmundo num jogo entre os dois times.
E espero, principalmente, que tudo acabe em paz: pior é ter que confiar na sensatez das torcidas organizadas tradicionais.