16 de janeiro de 2008

Os sambas que não devem morrer

Na foto, que peguei no blog do Moutinho, o momento em que defendíamos nosso samba, lá no palco do Odisséia

Há mais de dez carnavais que, volta e meia, acabo participando da disputa de sambas de blocos cariocas - em especial, do Imprensa que eu Gamo, fundado e tocado por jornalistas. Já paguei incontáveis micos, coleciono algumas derrotas e duas memoráveis vitórias - ambas, no Imprensa. Na madrugada desta terça, eu e meus parceiros Marcelo Moutinho e Gabriel Cavalcante, o Gabriel da Muda, perdemos a disputa no Imprensa, ficamos em segundo lugar, um placar apertado, três votos pra lá, dois pra cá.

Perder nunca é bom, ainda mais quando achamos que nosso, vá lá, produto, é o melhor, como foi o caso. Um dos autores do samba vencedor escreveu em seu blog que queria, com ele, "chocar a sociedade" - nós, mais modestos, desejávamos apenas ajudar a divertir uma pequena parte dela, aqueles malucos que saem pulando duas semanas antes do Carnaval pelas ruas de Laranjeiras.

Perdemos, perdemos, é do jogo, nada a reclamar. Mas as derrotas em disputas de samba trazem uma questão adicional. Por uma espécie de convenção, uma lógica de respeito ao vencedor, samba derrotado é inapelavelmente condenado a morrer. É uma espécie de aborto ou de morte pós-parto. Pelo que lembro, há apenas uma grande exceção à regra, o "Estrela de Madureira", de Acyr Cardoso e Pimentel, que, derrotado na disputa pelo samba do Império Serrano de 1975, continua a ser tocado em praticamente todas as rodas da cidade. O vencedor ("Baleiro-bala/Grita o menino assim"), quase não é lembrado.

Um livro pode vender pouco, um filme pode ser ignorado pela crítica e pelo público - mas ambos, de alguma forma, cumprem seu percurso. São lançados, exibidos e lido/vistos por um determinado número de pessoas. Nascem, vivem - e ficam ali, devidamente catalogados ou arquivados, preservados em algum modesto cantinho da história e, quiçá, da eternidade. Já o samba abortado, não. Por melhor que eventualmente seja, sobrevive, se tanto, por alguns anos na cabeça de seus autores. Não que haja assim tantas obras-primas entre esse tipo de samba - normalmente são muito ligados à realidade imediata, o que reduz um pouco alguma possibilidade de vida eterna, amém. Mas, caramba, foram todos compostos com dedicação, carinho e algum talento. Esse destino do samba que, se não ganhar, vai se perder, contribuiu para a minha não cumprida promessa de parar de me meter nessa doideira.

E é em protesto contra esta morte prematura, e sem qualquer disposição de levantar polêmica com a decisão da direção do bloco, que jogo aqui arquivos com letra e música do samba que eu, Moutinho e Gabriel compusemos para o Imprensa em 2008. O arquivo sonoro é precário, registrado logo depois que demos a nota final ao samba. Mas vale para a história. Espero que vocês se divirtam.

Obs: não consegui colocar o áudio aqui no blog. Vou tentar mais tarde. Por enquanto, vai a letra.

O CIRCO DA TROPA
Gabriel Cavalcante / Fernando Molica / Marcelo Moutinho

O mosquito picou o presidente
E o nosso Lula amarelou
Tomou bronca do Hugo Chavez
Foi-se o gás do Evo Morales
E no Senado, o tempo fechou

O “seu” Renan
Esqueceu da camisinha
Imprensou de qualquer jeito
E gamou na coleguinha

Relaxa e goza, meu amor
Por que não se cala e me beija?
Sem avião pra viajar BIS
No Imprensa eu vou embarcar

Zé Dirceu tá de telhado novo
Eu já tô careca de saber:
Pra virar circo, só falta a lona
Brasília ou Rio, é a mesma zona

Ô César Maia... pede pra sair!
Quebra esse galho, meu São Sebastião BIS
Quero um prefeito que não seja fanfarrão!

11 comentários:

Marcelo Moutinho disse...

Texto preciso do início ao fim. Só um reparo: "Estrela de Madureira", embora gravada pelo grande Roberto Ribeiro, foi composta por Acyr Cardoso e Pimentel...

Fernando Molica disse...

Obrigado pela correção, meu caro. Na pressa para publicar o post, acabei confiando na primeira informação que surgiu no Google, e que dava o RR como autor do samba. Já tá corrigido.

Neguinha Suburbana disse...

Se aquele samba representa o que pensa a imprensa brasileira, estamos ferrados!

Já já vou tentar disponibilizar áudio e vídeo em algum lugar, tá? Te aviso.

beijão.

Anônimo disse...

uma lembrança aos sambas que perdem e se perdem. mas viva o prazer da brincadeira, brincar de compositor um pouquinho até que é bom. e não pare não molica, quem sabe no ano que vem a gente consegue combinar uma parceria ?

abração,
chico.

Anônimo disse...

Meu caro Molica.

Você tem razão no que diz e eu só acrescento o seguinte: vale a farra, valem os amigos, valem - sempre - as histórias pra contar. E o samba, um bom samba, ainda que "não vencedor", cumpre sempre a sua sina, que é juntar gente, emocionar (de riso ou choro) gente, marcar o coração da gente. E isso não tem preço.
Em homenagem ao seu post, vou fazer algo que não estava pensando em fazer: postar lá no blog a letra (áudio acho que não temos gravado...) do nosso modesto samba, que nos proporcionou uma imensa alegria, desde o sábado anterior.
Um abraço, amigo.

Anônimo disse...

Oi Molica ... meu samba foi o campeão desta vez, mas já perdi em outros lugares. Sei como é isso ... a gente sempre acha que o nosso é o melhor.

Sobre chocar ... acho que é legal usar o samba e o carnaval para "mandar recados à sociedade". Não esperávamos ser politicamente corretos e desta vez decidimos fazer algo polêmico e irreverente.

Nosso objetivo me parece bem mais modesto do que fazer samba para entrar para história, como vc sugere.

Mas, amigo ... é apenas um bloco ... nada além disso.

Enfim, nos vemos no domingo para tomar uma gelada e brincar o carnaval. Que, sem dúvida nenhuma, é o desejo maior de todo bom folião.

Forte abraço e VIVA O ZÉ PEREIRA!!!

Fernando Molica disse...

Caro Daniel,
em primeiro lugar, parabéns pela vitória. Mas, enfim, não acho que sambas de bloco sejam passaporte para um lugar na história. Vitoriosos ou derrotados, são sempre meio descartáveis. O que incomoda um pouco - e isso tem a ver com a característica eliminatória da disputa - é a decretação da morte súbita dos que perdem. É meio triste, eu acho. Mas isso é do jogo, da brincadeira. E como você bem lembra, é apenas um bloco, uma grande festa. Viva o Zé Pereira, claro!

Abraços,

Molica

Anônimo disse...

Daniel,

li a letra do teu samba em seu blog, e não me chocou em nada, achei sem graça e desrespeitosa na parte do "sacudiram minha mangueira".

E outra coisinha: quem choca é galinha, vá mandar esses seus papinhos furados lá no teu blog.

Eugenia disse...

Fernando, muito bacana esse seu olhar sobre os sambas que são "descartados" e desaparecem no limbo da memória... poxa, nem cd tem... taí uma idéia: lançar um cd com os melhores sambas de bloco perdedores... olha q tem mt coisa boa!
abração, Eugenia (sou colega de trabalho da Gabriela Levy e edito a Agenda do Samba e Choro com o Paulo).

Anônimo disse...

Você pode colocar o arquivo em MP3 no http://odeo.com

Ele disponibiliza um player embed com o do Youtube, só que para arquivos de som.

Conheci seu blog hj. Gostei e voltarei.

[]s

Fernando Molica disse...

Obrigado, Thales. Vou tentar. Seja bem-vindo.