Há mais de dez carnavais que, volta e meia, acabo participando da disputa de sambas de blocos cariocas - em especial, do Imprensa que eu Gamo, fundado e tocado por jornalistas. Já paguei incontáveis micos, coleciono algumas derrotas e duas memoráveis vitórias - ambas, no Imprensa. Na madrugada desta terça, eu e meus parceiros Marcelo Moutinho e Gabriel Cavalcante, o Gabriel da Muda, perdemos a disputa no Imprensa, ficamos em segundo lugar, um placar apertado, três votos pra lá, dois pra cá.
Perder nunca é bom, ainda mais quando achamos que nosso, vá lá, produto, é o melhor, como foi o caso. Um dos autores do samba vencedor escreveu em seu blog que queria, com ele, "chocar a sociedade" - nós, mais modestos, desejávamos apenas ajudar a divertir uma pequena parte dela, aqueles malucos que saem pulando duas semanas antes do Carnaval pelas ruas de Laranjeiras.
Perdemos, perdemos, é do jogo, nada a reclamar. Mas as derrotas em disputas de samba trazem uma questão adicional. Por uma espécie de convenção, uma lógica de respeito ao vencedor, samba derrotado é inapelavelmente condenado a morrer. É uma espécie de aborto ou de morte pós-parto. Pelo que lembro, há apenas uma grande exceção à regra, o "Estrela de Madureira", de Acyr Cardoso e Pimentel, que, derrotado na disputa pelo samba do Império Serrano de 1975, continua a ser tocado em praticamente todas as rodas da cidade. O vencedor ("Baleiro-bala/Grita o menino assim"), quase não é lembrado.
Um livro pode vender pouco, um filme pode ser ignorado pela crítica e pelo público - mas ambos, de alguma forma, cumprem seu percurso. São lançados, exibidos e lido/vistos por um determinado número de pessoas. Nascem, vivem - e ficam ali, devidamente catalogados ou arquivados, preservados em algum modesto cantinho da história e, quiçá, da eternidade. Já o samba abortado, não. Por melhor que eventualmente seja, sobrevive, se tanto, por alguns anos na cabeça de seus autores. Não que haja assim tantas obras-primas entre esse tipo de samba - normalmente são muito ligados à realidade imediata, o que reduz um pouco alguma possibilidade de vida eterna, amém. Mas, caramba, foram todos compostos com dedicação, carinho e algum talento. Esse destino do samba que, se não ganhar, vai se perder, contribuiu para a minha não cumprida promessa de parar de me meter nessa doideira.
E é em protesto contra esta morte prematura, e sem qualquer disposição de levantar polêmica com a decisão da direção do bloco, que jogo aqui arquivos com letra e música do samba que eu, Moutinho e Gabriel compusemos para o Imprensa em 2008. O arquivo sonoro é precário, registrado logo depois que demos a nota final ao samba. Mas vale para a história. Espero que vocês se divirtam.
Obs: não consegui colocar o áudio aqui no blog. Vou tentar mais tarde. Por enquanto, vai a letra.
O CIRCO DA TROPA
Gabriel Cavalcante / Fernando Molica / Marcelo Moutinho
O mosquito picou o presidente
E o nosso Lula amarelou
Tomou bronca do Hugo Chavez
Foi-se o gás do Evo Morales
E no Senado, o tempo fechou
O “seu” Renan
Esqueceu da camisinha
Imprensou de qualquer jeito
E gamou na coleguinha
Relaxa e goza, meu amor
Por que não se cala e me beija?
Sem avião pra viajar BIS
No Imprensa eu vou embarcar
Zé Dirceu tá de telhado novo
Eu já tô careca de saber:
Pra virar circo, só falta a lona
Brasília ou Rio, é a mesma zona
Ô César Maia... pede pra sair!
Quebra esse galho, meu São Sebastião BIS
Quero um prefeito que não seja fanfarrão!
Perder nunca é bom, ainda mais quando achamos que nosso, vá lá, produto, é o melhor, como foi o caso. Um dos autores do samba vencedor escreveu em seu blog que queria, com ele, "chocar a sociedade" - nós, mais modestos, desejávamos apenas ajudar a divertir uma pequena parte dela, aqueles malucos que saem pulando duas semanas antes do Carnaval pelas ruas de Laranjeiras.
Perdemos, perdemos, é do jogo, nada a reclamar. Mas as derrotas em disputas de samba trazem uma questão adicional. Por uma espécie de convenção, uma lógica de respeito ao vencedor, samba derrotado é inapelavelmente condenado a morrer. É uma espécie de aborto ou de morte pós-parto. Pelo que lembro, há apenas uma grande exceção à regra, o "Estrela de Madureira", de Acyr Cardoso e Pimentel, que, derrotado na disputa pelo samba do Império Serrano de 1975, continua a ser tocado em praticamente todas as rodas da cidade. O vencedor ("Baleiro-bala/Grita o menino assim"), quase não é lembrado.
Um livro pode vender pouco, um filme pode ser ignorado pela crítica e pelo público - mas ambos, de alguma forma, cumprem seu percurso. São lançados, exibidos e lido/vistos por um determinado número de pessoas. Nascem, vivem - e ficam ali, devidamente catalogados ou arquivados, preservados em algum modesto cantinho da história e, quiçá, da eternidade. Já o samba abortado, não. Por melhor que eventualmente seja, sobrevive, se tanto, por alguns anos na cabeça de seus autores. Não que haja assim tantas obras-primas entre esse tipo de samba - normalmente são muito ligados à realidade imediata, o que reduz um pouco alguma possibilidade de vida eterna, amém. Mas, caramba, foram todos compostos com dedicação, carinho e algum talento. Esse destino do samba que, se não ganhar, vai se perder, contribuiu para a minha não cumprida promessa de parar de me meter nessa doideira.
E é em protesto contra esta morte prematura, e sem qualquer disposição de levantar polêmica com a decisão da direção do bloco, que jogo aqui arquivos com letra e música do samba que eu, Moutinho e Gabriel compusemos para o Imprensa em 2008. O arquivo sonoro é precário, registrado logo depois que demos a nota final ao samba. Mas vale para a história. Espero que vocês se divirtam.
Obs: não consegui colocar o áudio aqui no blog. Vou tentar mais tarde. Por enquanto, vai a letra.
O CIRCO DA TROPA
Gabriel Cavalcante / Fernando Molica / Marcelo Moutinho
O mosquito picou o presidente
E o nosso Lula amarelou
Tomou bronca do Hugo Chavez
Foi-se o gás do Evo Morales
E no Senado, o tempo fechou
O “seu” Renan
Esqueceu da camisinha
Imprensou de qualquer jeito
E gamou na coleguinha
Relaxa e goza, meu amor
Por que não se cala e me beija?
Sem avião pra viajar BIS
No Imprensa eu vou embarcar
Zé Dirceu tá de telhado novo
Eu já tô careca de saber:
Pra virar circo, só falta a lona
Brasília ou Rio, é a mesma zona
Ô César Maia... pede pra sair!
Quebra esse galho, meu São Sebastião BIS
Quero um prefeito que não seja fanfarrão!
11 comentários:
Texto preciso do início ao fim. Só um reparo: "Estrela de Madureira", embora gravada pelo grande Roberto Ribeiro, foi composta por Acyr Cardoso e Pimentel...
Obrigado pela correção, meu caro. Na pressa para publicar o post, acabei confiando na primeira informação que surgiu no Google, e que dava o RR como autor do samba. Já tá corrigido.
Se aquele samba representa o que pensa a imprensa brasileira, estamos ferrados!
Já já vou tentar disponibilizar áudio e vídeo em algum lugar, tá? Te aviso.
beijão.
uma lembrança aos sambas que perdem e se perdem. mas viva o prazer da brincadeira, brincar de compositor um pouquinho até que é bom. e não pare não molica, quem sabe no ano que vem a gente consegue combinar uma parceria ?
abração,
chico.
Meu caro Molica.
Você tem razão no que diz e eu só acrescento o seguinte: vale a farra, valem os amigos, valem - sempre - as histórias pra contar. E o samba, um bom samba, ainda que "não vencedor", cumpre sempre a sua sina, que é juntar gente, emocionar (de riso ou choro) gente, marcar o coração da gente. E isso não tem preço.
Em homenagem ao seu post, vou fazer algo que não estava pensando em fazer: postar lá no blog a letra (áudio acho que não temos gravado...) do nosso modesto samba, que nos proporcionou uma imensa alegria, desde o sábado anterior.
Um abraço, amigo.
Oi Molica ... meu samba foi o campeão desta vez, mas já perdi em outros lugares. Sei como é isso ... a gente sempre acha que o nosso é o melhor.
Sobre chocar ... acho que é legal usar o samba e o carnaval para "mandar recados à sociedade". Não esperávamos ser politicamente corretos e desta vez decidimos fazer algo polêmico e irreverente.
Nosso objetivo me parece bem mais modesto do que fazer samba para entrar para história, como vc sugere.
Mas, amigo ... é apenas um bloco ... nada além disso.
Enfim, nos vemos no domingo para tomar uma gelada e brincar o carnaval. Que, sem dúvida nenhuma, é o desejo maior de todo bom folião.
Forte abraço e VIVA O ZÉ PEREIRA!!!
Caro Daniel,
em primeiro lugar, parabéns pela vitória. Mas, enfim, não acho que sambas de bloco sejam passaporte para um lugar na história. Vitoriosos ou derrotados, são sempre meio descartáveis. O que incomoda um pouco - e isso tem a ver com a característica eliminatória da disputa - é a decretação da morte súbita dos que perdem. É meio triste, eu acho. Mas isso é do jogo, da brincadeira. E como você bem lembra, é apenas um bloco, uma grande festa. Viva o Zé Pereira, claro!
Abraços,
Molica
Daniel,
li a letra do teu samba em seu blog, e não me chocou em nada, achei sem graça e desrespeitosa na parte do "sacudiram minha mangueira".
E outra coisinha: quem choca é galinha, vá mandar esses seus papinhos furados lá no teu blog.
Fernando, muito bacana esse seu olhar sobre os sambas que são "descartados" e desaparecem no limbo da memória... poxa, nem cd tem... taí uma idéia: lançar um cd com os melhores sambas de bloco perdedores... olha q tem mt coisa boa!
abração, Eugenia (sou colega de trabalho da Gabriela Levy e edito a Agenda do Samba e Choro com o Paulo).
Você pode colocar o arquivo em MP3 no http://odeo.com
Ele disponibiliza um player embed com o do Youtube, só que para arquivos de som.
Conheci seu blog hj. Gostei e voltarei.
[]s
Obrigado, Thales. Vou tentar. Seja bem-vindo.
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